Uma performance de louco

Aviso: essa postagem contém fotos com nudez, consumo de drogas, palavras de baixo calão e Mick Jagger, o rei dos pé-frios. (+18)

Palavras-chave: atuação, imagem, performance, crime, castigo, violência, identidade, rock pauleira até amanhecer.

Ouvindo: “Performance – Original Soundtrack”, “Exile on Main St.”

“Esse filme é sobre a relação do Homo Sapiens com a Dona Violência”

Performance1970

Esse é o cartaz do filme “Performance”.

De presente de aniversário não ganhei nada (ainda). Mas eu tinha começado a baixar esse filme no dia do meu aniversário de 18 anos. Então, é o meu presentinho. Não ganhei apenas 1, ganhei 10! Tinha terminado de baixar a OST do filme, o filme dos Simpsons, um bootleg dos Beatles, outro do David Bowie, dois discos dos Stones (Some Girls e Exile on Main St.), disco NEW do Paul McCartney e um disco da Lady Gaga.

No ano de 1970 foi lançado um dos filmes mais…escandalosos da história do cinema: “Performance”. Dirigido por Donald Cammell e por Nic Roeg, tinha no elenco James Fox como o gângster Chas, Mick Jagger (aquele lá dos Stones) como Turner e a modelo Anita Pallemberg (que fez outro papel marcante no cinema, a Rainha Negra em Barbarella) como Pherber. O mais legal nesse filme não é a putaria que acontece em 75% do filme e sim como era a juventude inglesa da década de 1960. É o retrato de apenas um lado, o lado selvagem da juventude inglesa da década de 1960. Informações técnicas abaixo.

Título: Performance
Diretor: Donald Cammel e Nicholas Roeg
Roteiro: Donald Cammel
Elenco: James Fox, Mick Jagger, Anita Pallemberg, Michèle Breton
Produção: Goodtimes Enterprises para a Warner Bros.
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Ano: 1968, mas lançado em 1970
País: Reino Unido
Duração: 105 minutos (aproximadamente)
Censura no Brasil: 18 anos (Cenas de Nudez, nudez frontal masculina, sexo não-simulado, consumo de drogas, tortura e assassinato)

Eu indico antes ver o documentário “Influence and Controversy: Making ‘Performance’” (Influência e Controvérsia: Fazendo ‘Performance’) pois tem o depoimento de quase todo mundo envolvido no filme e de um professor da Universidade de Princeton. Não dava para ter o depoimento do diretor, morto em 1996 (o cara filmou o próprio suicídio), mas senti falta do depoimento do Mick Jagger. O documentário é curtinho, meia hora, mas dá para se entender o contexto do filme. Anita-e-Mick-Jagger-no-filme-Performance-1970.

Pheber (Anita Pallemberg) e Turner (Mick Jagger) como um casal. E o Keith Richards e a Marianne Faithfull sabiam do que rolava. E se pegavam.

A Warner Bros. queria fazer com os Rolling Stones algo parecido com o filme “Os Reis do Iê-Iê-Iê” (A Hard Day’s Night), o primeiro filme dos Beatles. Naquela época, a principal propaganda para as bandas de rock não eram os videoclipes e sim o cinema. Vale lembrar que os inventores do videoclipe foram os Beatles. O que os executivos queriam era um filme que representasse a “Swinging London” da década de 1960, mas que fosse leve. Para esse filme Mick Jagger tinha deixado o cabelo crescer e pintado de preto. Esse cabelo ainda aparece no Rolling Stones Rock and Roll Circus.

mick-jagger-performance

Keith Richards, “marido” de Anita Pallemberg, chegou a ir ao estúdio e armou um quiproquó, porque a mulher dele dormia com o Mick Jagger na mesma cama e para piorar a situação, com muita gente olhando (sob a direção de Donald Cammel). Mas o que surpreendeu não foi o que os executivos da Warner queriam e sim o que eles viram.

mick-jagger

Mick Jagger, parecendo um tanto chapadão, em cena de Performance (1970).

“O único comportamento que faz com que seja, que realmente faz…que faz todo o caminho, é o que atinge a loucura. Tô certo? Tô certo? Você tá comigo?” (Turner Payne ou Turner Purple).

Esse filme entrou para a história do cinema por vários motivos. Primeiro: o Mick Jagger. Esse é o seu primeiro papel sério no cinema. Mas o problema é que ele aparece em apenas 4 filmes, exceto os dos Rolling Stones (Sympathy for the Devil, Gimme Shelter, Let’s Spend the Night Together, Shine a Light e o nunca lançado Cocksucker Blues). Ele podia ter explorado um pouco mais seus lábios carnudos, de fazer inveja a muita mulher. Os outros papeis que ele fez não são tão marcantes comparados ao roqueiro aposentado na flor da idade Turner (inclusive um desses papeis foi feito em uma penitenciária brasileira, com atores brasileiros). O Jagger canta no filme, mas não precisava muito. Uma das cenas mais famosas é justamente a que Turner canta “Memo from Turner”, vestido de chefe de gângsteres, uma música composta pela dupla Jagger & Richards e tocada pelos Rolling Stones.

Pra cantar junto!!

Segundo: o filme foi gravado em 1968, mas lançado somente em 1970. Motivo: as várias montagens que foram necessárias para o filme. Os negativos originais quase foram destruídos. O filme era tão sem vergonha que a mulher de um dos executivos da Warner Bros. (que distribui o filme até hoje) vomitou no set de filmagem e nem era a hora do “vamo ver”. A putaria era tão grande que a maior parte das cenas tiveram cortes, para que fosse possível ser exibido nos cinemas. E existem diversas edições (com maior ou menor grau de putaria, são seis ao todo), mas a que eu assisti é a edição norte-americana (com alguma putaria). Raramente o filme foi exibido completo. Com os outtakes dava para se fazer um “Performance 2”. Outra coisa interessante sobre alguns outtakes: uma parte do filme (que mostra Turner com a namorada Pheber transando numa das camas do cenário da casa em Powis Square) foi premiado num festival de filmes pornô na Holanda. Uns dizem que essas cenas não foram simuladas, foram pra valer.

0,,69256034,00 

Vida boa, hein Mick?

Terceiro: a maioria dos atores gravou as cenas completamente chapados. Isso inclui o Mick Jagger. E principalmente a Anita Pallemberg. Nessa época ela não era viciada em heroína (que foi justamente o motivo pelo qual ela se separou de Keith Richards), mas fumava baseados, cheirava pó e tomava mais chá de cogumelo que outra coisa. Na época do lançamento do filme, ela era tão viciada em heroína que injetava a droga na bunda. E reclamava do diretor, do set, do estúdio… A atriz francesa Michèle Breton simplesmente pirou: foi mandada para o sanatório anos depois.

Quarto: o Donald Cammell queria que os atores fizessem putaria. Ou como disse Keith Richards em sua autobiografia “Vida”: “ele estava basicamente montando pornografia de terceira categoria”. Agora tá explicado porque queriam os negativos destruídos. Porque se eles ainda existissem, poderiam editar somente as partes mais pesadas e viraria um puta filme pornográfico. Sem história, e muita putaria. Aqui embaixo um pedacinho do depoimento do Keith Richards. Ele compôs “Gimme Shelter” pouco depois.

“Anita (Pallenberg) estava filmando Performance, não muito longe, mas não quis ir ao estúdio. Deus sabia o que estava acontecendo. […] Uma das primeiras coisas que aconteceram entre mim (Keith Richards) e Anita foi aquela merda de Performance. (Donald) Cammell queria me foder, pois estivera com Anita antes de Deborah Dixon. Claramente, ele se sentia muito satisfeito com a ideia de que estava fodendo as coisas entre nós. Era uma montagem, Mick e Anita fazendo os papéis de um casal. Senti as coisas vindo pelo ar. Sabia que Mouche — Michèle Breton, o terceiro personagem da cena do banho no filme, não estava totalmente por fora da armação — costumava ser paga para “fazer o papel” de casal com seu namorado. Anita me contara que Michèle precisava tomar injeções de Valium antes de cada cena.” (Keith Richards, Vida)

article-1270155-09613B17000005DC-48_233x304tumblr_lzzh478a5C1r3kykyo1_1280anita_pallenberg_1970_09_03

Calma, Mick querido. Meu marido sabe de tudo.

Dirigido (e escrito) por Donald Cammell e por Nic Roeg, esse filme pervertido sobre identidade, a falta dela e quando o mundo do crime encontra o mundo das artes é uma história de desencontros. Chas (James Fox, que ficou meses com bandidos de verdade), um gângster londrino, matou um cara e se o chefe dele descobre, ordenaria que empacotem o cara. E como não está disposto a virar presunto, Chas se manda. Descobre que um cantor chamado Noel está de mudança de um quartinho no porão de um certo Turner Payne (Mick Jagger, em seu primeiro papel no cinema, muito antes de filmes como “Gimme Shelter”, mas depois de “Sympathy for the Devil”), um roqueiro aposentado ainda na flor da idade. Chas muda de nome, vira Johnny Dean, malabarista de elite e se manda para o quarto do Turner em Powis Square (onde Mick Jagger tinha chegado a morar em meados de 1964, quando os Stones estouraram). james-fox-performance

Esse é o Chas, depois de descolorir o cabelo na casa do Turner.

Lá, é recebido por Pherber (Anita Pallenberg, que na época era ‘esposa’ de Keith Richards, guitarrista dos Stones), uma espécie de secretária, amante e cultivadora de cogumelos. Parece ser estrangeira. Naquela casa ainda mora a imigrante francesa Lucy (Michèle Breton, a das injeções de Valium), que devia ter saído do Reino Unido. Turner não sabe de nada de que o seu quartinho foi alugado por um gângster que se finge de malabarista (Chas realmente faz malabarismo, com a lei). Numa série de diálogos desencontrados, os dois negociam o quartinho por uns dias.performance-1

“Em nome de Deus, o que você fez com seu cabelo?”

A contragosto, Chas/Johnny Dean fica com um “povo estranho”. Não são raras as cenas em que Turner e Pherber estão com um baseado. Na cena da banheira, Pherber enrola um monte de baseados. Tanto Pherber quanto Lucy andam no apartamento com muita pouca roupa. E Turner é um cara andrógino, numa época em que a androginia que conhecemos nem era esboçada (a androginia só virou moda depois de 1972). Para piorar a situação para o Chas, Turner ficou gamado nele (é isso mesmo que estou escrevendo?). Chas se diz um ator (nesse caso um performer), mas tem que competir em atuação com o Turner. O filme foi baseado no romance “Desespero”, de Vladimir Nabokov, mas têm referências ao escritor argentino Jorge Luís Borges, ao escritor americano William S. Burroughs, a tratados de psicologia de Artaud (que une a loucura à atuação) e mesmo ao mundo do rock (em um momento do filme tem uma foto de Jim Morrison, morto em 1971) Performance é um prato cheio para quem curte uma…cena de sexo. 1973011,Q9dpB8jitxuDkdRiMYAXLdPnWFqRtVXKAO28Io7_jhBbMtSCVai_EnHoxeVgiZb1aX nfpXBgAMmtjWsCqzvHg==

Da esquerda para a direita: Turner (com um baseado na boca), Pheber (com uma toalha na cabeça) e Lucy (de peito de fora). Na banheira, na cama e na fazenda ou em cima de um tapete persa.

Isso mesmo: eu podia destacar os diálogos desencontrados, como a história se desenrola de maneira inesperada, a boa fotografia do filme (apesar de os executivos terem mandado passar a tesoura no filme diversas vezes), mas o destaque vai para as diversas cenas de sexo. O Keith Richards teve mesmo razão de armar um quiproquó: sua mulher (apesar de ele e Anita nunca terem sido oficialmente casados) estava deitando com o seu melhor amigo, mesmo que fosse por “razões artísticas”. Como se não bastasse, Anita dormiu com uma mulher no filme. E felizmente o estúdio Warner mandou passar a tesoura no filme.

Uma das cenas me chamou a atenção: o take original (ao que parecia) seria Chas trocando bitocas com Turner. Mas como o Mick Jagger era um estereótipo do machão (me engana que eu gamo, Mick), mesmo com uma carinha quase andrógina (mas aí esse estereótipo caiu por terra quando Angela Bowie disse que o Mick tinha dormido com David Bowie), alteraram o take: Chas aparece dormindo com Lucy. Se você não prestar muita atenção, não nota, mas se prestar um pouco de atenção percebe a diferença. No cartaz inglês do filme dá pra ver:performance

Mais três pra minha lista…

Chas se identifica muito com Turner, a ponto de assumir uma identidade semelhante à dele: um roqueiro andrógino (quando a androginia nem era moda). A personagem Pherber pergunta certa vez para Chas, com curiosidade:

“Alguma vez você já sentiu o seu lado feminino?”

“Não, nunca. Eu me sinto como um homem. Um homem todo tempo.”

“Isso é horrível. É o que está errado em você.”. Um esboço de liberação?

Uma coisa que eu gosto nesse filme são os diálogos interessantes, principalmente os que têm trocadilhos. Um tem a sequência de palavras: “red, dead, dyed, red, dyed, dead, red, red” (vermelho, morto, tingido, vermelho, tingido, morto, vermelho, vermelho). Mais um é o que tem a sequência “fly, in my eye, why?, right”) (mosca, no meu olho, porque?, certo). Na língua portuguesa podem parecer palavras sem muito sentido, mas no inglês faz sentido. Todas essas palavras rimam entre si.

Minha cena favorita (se pensou que era a cena da banheira errou feio) é quando Chas vai falar pela primeira vez com Turner. O cara começa a falar normalmente em “Pelas suas vibrações eu sei que…” e pega um microfone ligado e grita “…você é um adversário da gravidade!”. Ainda manda uma história louquinha de Enrico Rastelli, o malabarista do rei da Toscana (ele realmente existiu).

A trilha sonora foi lançada em 1970, com “Memo From Turner” lançada em single.

Performance

Esse filme nunca tinha sido exibido no Brasil. Motivo: ditadura militar não deixava, porque tinha “consumo de drogas, cenas de sexo e sodomia”. O filme foi lançado diretamente em DVD aqui no Brasil.

A revista Rolling Stone simplesmente DE-TO-NOU o filme. Até eu tinha detonado no começo. Motivos: os beiços do Mick foram usados de maneira indevida? Não, é que o filme era muito ruim de entender e tinha muitas cenas de nudez e sexo.

Capa da Rolling Stone em 1970.

A maldição de Performance

E ainda por cima esse cúmulo da fodelice é amaldiçoado: o diretor Donald Cammel se matou em 1996, Anita ficou viciadona na H, Nic Roeg fez “O Homem que Caiu Na Terra” (brincadeira) e Michèle, bem, ela pirou na batatinha. Só quem escapou foi ele, Mick Jagger. Mas os Stones pagaram: pouco tempo depois do fim das gravações do filme, Brian Jones (membro fundador da banda) morreu afogado. E em “Gimme Shelter” um cara morre. Mas o cara é o rei do pé-frio, não só na Copa do Mundo (pelo amor de Deus, torça para o Brasil, Mick! Os brasileiros te amam!), mas em seus projetos cinematográficos e discos-solo.

Mick fez ainda o filme “Ned Kelly” sobre o herói da Austrália Ned Kelly, pouco tempo depois que “Performance” estreou. O Mick levou a namorada Marianne Faithfull na bagagem (frescando) para fazer o papel de sua irmã. Mas Marianne teve uma quase overdose de soníferos e não pode fazer o filme. Parra quem não conhece, a Marianne Faithfull é essa aí na foto com o Mick.

09cf88464684a25ae3bf0074cfaca8f5f66a4397_m

E é só.

Deixe um comentário