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Uma performance de louco

Aviso: essa postagem contém fotos com nudez, consumo de drogas, palavras de baixo calão e Mick Jagger, o rei dos pé-frios. (+18)

Palavras-chave: atuação, imagem, performance, crime, castigo, violência, identidade, rock pauleira até amanhecer.

Ouvindo: “Performance – Original Soundtrack”, “Exile on Main St.”

“Esse filme é sobre a relação do Homo Sapiens com a Dona Violência”

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Esse é o cartaz do filme “Performance”.

De presente de aniversário não ganhei nada (ainda). Mas eu tinha começado a baixar esse filme no dia do meu aniversário de 18 anos. Então, é o meu presentinho. Não ganhei apenas 1, ganhei 10! Tinha terminado de baixar a OST do filme, o filme dos Simpsons, um bootleg dos Beatles, outro do David Bowie, dois discos dos Stones (Some Girls e Exile on Main St.), disco NEW do Paul McCartney e um disco da Lady Gaga.

No ano de 1970 foi lançado um dos filmes mais…escandalosos da história do cinema: “Performance”. Dirigido por Donald Cammell e por Nic Roeg, tinha no elenco James Fox como o gângster Chas, Mick Jagger (aquele lá dos Stones) como Turner e a modelo Anita Pallemberg (que fez outro papel marcante no cinema, a Rainha Negra em Barbarella) como Pherber. O mais legal nesse filme não é a putaria que acontece em 75% do filme e sim como era a juventude inglesa da década de 1960. É o retrato de apenas um lado, o lado selvagem da juventude inglesa da década de 1960. Informações técnicas abaixo.

Título: Performance
Diretor: Donald Cammel e Nicholas Roeg
Roteiro: Donald Cammel
Elenco: James Fox, Mick Jagger, Anita Pallemberg, Michèle Breton
Produção: Goodtimes Enterprises para a Warner Bros.
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Ano: 1968, mas lançado em 1970
País: Reino Unido
Duração: 105 minutos (aproximadamente)
Censura no Brasil: 18 anos (Cenas de Nudez, nudez frontal masculina, sexo não-simulado, consumo de drogas, tortura e assassinato)

Eu indico antes ver o documentário “Influence and Controversy: Making ‘Performance’” (Influência e Controvérsia: Fazendo ‘Performance’) pois tem o depoimento de quase todo mundo envolvido no filme e de um professor da Universidade de Princeton. Não dava para ter o depoimento do diretor, morto em 1996 (o cara filmou o próprio suicídio), mas senti falta do depoimento do Mick Jagger. O documentário é curtinho, meia hora, mas dá para se entender o contexto do filme. Anita-e-Mick-Jagger-no-filme-Performance-1970.

Pheber (Anita Pallemberg) e Turner (Mick Jagger) como um casal. E o Keith Richards e a Marianne Faithfull sabiam do que rolava. E se pegavam.

A Warner Bros. queria fazer com os Rolling Stones algo parecido com o filme “Os Reis do Iê-Iê-Iê” (A Hard Day’s Night), o primeiro filme dos Beatles. Naquela época, a principal propaganda para as bandas de rock não eram os videoclipes e sim o cinema. Vale lembrar que os inventores do videoclipe foram os Beatles. O que os executivos queriam era um filme que representasse a “Swinging London” da década de 1960, mas que fosse leve. Para esse filme Mick Jagger tinha deixado o cabelo crescer e pintado de preto. Esse cabelo ainda aparece no Rolling Stones Rock and Roll Circus.

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Keith Richards, “marido” de Anita Pallemberg, chegou a ir ao estúdio e armou um quiproquó, porque a mulher dele dormia com o Mick Jagger na mesma cama e para piorar a situação, com muita gente olhando (sob a direção de Donald Cammel). Mas o que surpreendeu não foi o que os executivos da Warner queriam e sim o que eles viram.

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Mick Jagger, parecendo um tanto chapadão, em cena de Performance (1970).

“O único comportamento que faz com que seja, que realmente faz…que faz todo o caminho, é o que atinge a loucura. Tô certo? Tô certo? Você tá comigo?” (Turner Payne ou Turner Purple).

Esse filme entrou para a história do cinema por vários motivos. Primeiro: o Mick Jagger. Esse é o seu primeiro papel sério no cinema. Mas o problema é que ele aparece em apenas 4 filmes, exceto os dos Rolling Stones (Sympathy for the Devil, Gimme Shelter, Let’s Spend the Night Together, Shine a Light e o nunca lançado Cocksucker Blues). Ele podia ter explorado um pouco mais seus lábios carnudos, de fazer inveja a muita mulher. Os outros papeis que ele fez não são tão marcantes comparados ao roqueiro aposentado na flor da idade Turner (inclusive um desses papeis foi feito em uma penitenciária brasileira, com atores brasileiros). O Jagger canta no filme, mas não precisava muito. Uma das cenas mais famosas é justamente a que Turner canta “Memo from Turner”, vestido de chefe de gângsteres, uma música composta pela dupla Jagger & Richards e tocada pelos Rolling Stones.

Pra cantar junto!!

Segundo: o filme foi gravado em 1968, mas lançado somente em 1970. Motivo: as várias montagens que foram necessárias para o filme. Os negativos originais quase foram destruídos. O filme era tão sem vergonha que a mulher de um dos executivos da Warner Bros. (que distribui o filme até hoje) vomitou no set de filmagem e nem era a hora do “vamo ver”. A putaria era tão grande que a maior parte das cenas tiveram cortes, para que fosse possível ser exibido nos cinemas. E existem diversas edições (com maior ou menor grau de putaria, são seis ao todo), mas a que eu assisti é a edição norte-americana (com alguma putaria). Raramente o filme foi exibido completo. Com os outtakes dava para se fazer um “Performance 2”. Outra coisa interessante sobre alguns outtakes: uma parte do filme (que mostra Turner com a namorada Pheber transando numa das camas do cenário da casa em Powis Square) foi premiado num festival de filmes pornô na Holanda. Uns dizem que essas cenas não foram simuladas, foram pra valer.

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Vida boa, hein Mick?

Terceiro: a maioria dos atores gravou as cenas completamente chapados. Isso inclui o Mick Jagger. E principalmente a Anita Pallemberg. Nessa época ela não era viciada em heroína (que foi justamente o motivo pelo qual ela se separou de Keith Richards), mas fumava baseados, cheirava pó e tomava mais chá de cogumelo que outra coisa. Na época do lançamento do filme, ela era tão viciada em heroína que injetava a droga na bunda. E reclamava do diretor, do set, do estúdio… A atriz francesa Michèle Breton simplesmente pirou: foi mandada para o sanatório anos depois.

Quarto: o Donald Cammell queria que os atores fizessem putaria. Ou como disse Keith Richards em sua autobiografia “Vida”: “ele estava basicamente montando pornografia de terceira categoria”. Agora tá explicado porque queriam os negativos destruídos. Porque se eles ainda existissem, poderiam editar somente as partes mais pesadas e viraria um puta filme pornográfico. Sem história, e muita putaria. Aqui embaixo um pedacinho do depoimento do Keith Richards. Ele compôs “Gimme Shelter” pouco depois.

“Anita (Pallenberg) estava filmando Performance, não muito longe, mas não quis ir ao estúdio. Deus sabia o que estava acontecendo. […] Uma das primeiras coisas que aconteceram entre mim (Keith Richards) e Anita foi aquela merda de Performance. (Donald) Cammell queria me foder, pois estivera com Anita antes de Deborah Dixon. Claramente, ele se sentia muito satisfeito com a ideia de que estava fodendo as coisas entre nós. Era uma montagem, Mick e Anita fazendo os papéis de um casal. Senti as coisas vindo pelo ar. Sabia que Mouche — Michèle Breton, o terceiro personagem da cena do banho no filme, não estava totalmente por fora da armação — costumava ser paga para “fazer o papel” de casal com seu namorado. Anita me contara que Michèle precisava tomar injeções de Valium antes de cada cena.” (Keith Richards, Vida)

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Calma, Mick querido. Meu marido sabe de tudo.

Dirigido (e escrito) por Donald Cammell e por Nic Roeg, esse filme pervertido sobre identidade, a falta dela e quando o mundo do crime encontra o mundo das artes é uma história de desencontros. Chas (James Fox, que ficou meses com bandidos de verdade), um gângster londrino, matou um cara e se o chefe dele descobre, ordenaria que empacotem o cara. E como não está disposto a virar presunto, Chas se manda. Descobre que um cantor chamado Noel está de mudança de um quartinho no porão de um certo Turner Payne (Mick Jagger, em seu primeiro papel no cinema, muito antes de filmes como “Gimme Shelter”, mas depois de “Sympathy for the Devil”), um roqueiro aposentado ainda na flor da idade. Chas muda de nome, vira Johnny Dean, malabarista de elite e se manda para o quarto do Turner em Powis Square (onde Mick Jagger tinha chegado a morar em meados de 1964, quando os Stones estouraram). james-fox-performance

Esse é o Chas, depois de descolorir o cabelo na casa do Turner.

Lá, é recebido por Pherber (Anita Pallenberg, que na época era ‘esposa’ de Keith Richards, guitarrista dos Stones), uma espécie de secretária, amante e cultivadora de cogumelos. Parece ser estrangeira. Naquela casa ainda mora a imigrante francesa Lucy (Michèle Breton, a das injeções de Valium), que devia ter saído do Reino Unido. Turner não sabe de nada de que o seu quartinho foi alugado por um gângster que se finge de malabarista (Chas realmente faz malabarismo, com a lei). Numa série de diálogos desencontrados, os dois negociam o quartinho por uns dias.performance-1

“Em nome de Deus, o que você fez com seu cabelo?”

A contragosto, Chas/Johnny Dean fica com um “povo estranho”. Não são raras as cenas em que Turner e Pherber estão com um baseado. Na cena da banheira, Pherber enrola um monte de baseados. Tanto Pherber quanto Lucy andam no apartamento com muita pouca roupa. E Turner é um cara andrógino, numa época em que a androginia que conhecemos nem era esboçada (a androginia só virou moda depois de 1972). Para piorar a situação para o Chas, Turner ficou gamado nele (é isso mesmo que estou escrevendo?). Chas se diz um ator (nesse caso um performer), mas tem que competir em atuação com o Turner. O filme foi baseado no romance “Desespero”, de Vladimir Nabokov, mas têm referências ao escritor argentino Jorge Luís Borges, ao escritor americano William S. Burroughs, a tratados de psicologia de Artaud (que une a loucura à atuação) e mesmo ao mundo do rock (em um momento do filme tem uma foto de Jim Morrison, morto em 1971) Performance é um prato cheio para quem curte uma…cena de sexo. 1973011,Q9dpB8jitxuDkdRiMYAXLdPnWFqRtVXKAO28Io7_jhBbMtSCVai_EnHoxeVgiZb1aX nfpXBgAMmtjWsCqzvHg==

Da esquerda para a direita: Turner (com um baseado na boca), Pheber (com uma toalha na cabeça) e Lucy (de peito de fora). Na banheira, na cama e na fazenda ou em cima de um tapete persa.

Isso mesmo: eu podia destacar os diálogos desencontrados, como a história se desenrola de maneira inesperada, a boa fotografia do filme (apesar de os executivos terem mandado passar a tesoura no filme diversas vezes), mas o destaque vai para as diversas cenas de sexo. O Keith Richards teve mesmo razão de armar um quiproquó: sua mulher (apesar de ele e Anita nunca terem sido oficialmente casados) estava deitando com o seu melhor amigo, mesmo que fosse por “razões artísticas”. Como se não bastasse, Anita dormiu com uma mulher no filme. E felizmente o estúdio Warner mandou passar a tesoura no filme.

Uma das cenas me chamou a atenção: o take original (ao que parecia) seria Chas trocando bitocas com Turner. Mas como o Mick Jagger era um estereótipo do machão (me engana que eu gamo, Mick), mesmo com uma carinha quase andrógina (mas aí esse estereótipo caiu por terra quando Angela Bowie disse que o Mick tinha dormido com David Bowie), alteraram o take: Chas aparece dormindo com Lucy. Se você não prestar muita atenção, não nota, mas se prestar um pouco de atenção percebe a diferença. No cartaz inglês do filme dá pra ver:performance

Mais três pra minha lista…

Chas se identifica muito com Turner, a ponto de assumir uma identidade semelhante à dele: um roqueiro andrógino (quando a androginia nem era moda). A personagem Pherber pergunta certa vez para Chas, com curiosidade:

“Alguma vez você já sentiu o seu lado feminino?”

“Não, nunca. Eu me sinto como um homem. Um homem todo tempo.”

“Isso é horrível. É o que está errado em você.”. Um esboço de liberação?

Uma coisa que eu gosto nesse filme são os diálogos interessantes, principalmente os que têm trocadilhos. Um tem a sequência de palavras: “red, dead, dyed, red, dyed, dead, red, red” (vermelho, morto, tingido, vermelho, tingido, morto, vermelho, vermelho). Mais um é o que tem a sequência “fly, in my eye, why?, right”) (mosca, no meu olho, porque?, certo). Na língua portuguesa podem parecer palavras sem muito sentido, mas no inglês faz sentido. Todas essas palavras rimam entre si.

Minha cena favorita (se pensou que era a cena da banheira errou feio) é quando Chas vai falar pela primeira vez com Turner. O cara começa a falar normalmente em “Pelas suas vibrações eu sei que…” e pega um microfone ligado e grita “…você é um adversário da gravidade!”. Ainda manda uma história louquinha de Enrico Rastelli, o malabarista do rei da Toscana (ele realmente existiu).

A trilha sonora foi lançada em 1970, com “Memo From Turner” lançada em single.

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Esse filme nunca tinha sido exibido no Brasil. Motivo: ditadura militar não deixava, porque tinha “consumo de drogas, cenas de sexo e sodomia”. O filme foi lançado diretamente em DVD aqui no Brasil.

A revista Rolling Stone simplesmente DE-TO-NOU o filme. Até eu tinha detonado no começo. Motivos: os beiços do Mick foram usados de maneira indevida? Não, é que o filme era muito ruim de entender e tinha muitas cenas de nudez e sexo.

Capa da Rolling Stone em 1970.

A maldição de Performance

E ainda por cima esse cúmulo da fodelice é amaldiçoado: o diretor Donald Cammel se matou em 1996, Anita ficou viciadona na H, Nic Roeg fez “O Homem que Caiu Na Terra” (brincadeira) e Michèle, bem, ela pirou na batatinha. Só quem escapou foi ele, Mick Jagger. Mas os Stones pagaram: pouco tempo depois do fim das gravações do filme, Brian Jones (membro fundador da banda) morreu afogado. E em “Gimme Shelter” um cara morre. Mas o cara é o rei do pé-frio, não só na Copa do Mundo (pelo amor de Deus, torça para o Brasil, Mick! Os brasileiros te amam!), mas em seus projetos cinematográficos e discos-solo.

Mick fez ainda o filme “Ned Kelly” sobre o herói da Austrália Ned Kelly, pouco tempo depois que “Performance” estreou. O Mick levou a namorada Marianne Faithfull na bagagem (frescando) para fazer o papel de sua irmã. Mas Marianne teve uma quase overdose de soníferos e não pode fazer o filme. Parra quem não conhece, a Marianne Faithfull é essa aí na foto com o Mick.

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E é só.

O Caboclo que Caiu na Terra ou Somos todos Estrangeiros

Kids queridos, depois de um looooooooooooongo exílio, eu voltei. Usando a fonte Segoe Print, minha favorita quando escrevo sobre David Bowie vou falar do filme “O Homem que Caiu na Terra”. Vi durante as férias. Minhas maninhas viram mais vezes que eu. Uma das cenas do filme foi fotografada e virou a capa de “Station to Station” (1976). E não para por aí. Inclusive o primeiro pôster virou a capa do disco “Low” (1977). Quando eu for falar da Trilogia de Berlim vocês vão saber que diacho é isso.

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Cartazes do filme “O Homem que Caiu na Terra”, de 1976. O tipo de letra usado no nome “The Man Who Fell to Earth”, você já deve ter visto em alguma camiseta do Iron Maiden.

Antes de tudo, vamos às informações sobre esse filme:

Título: O Homem Que Caiu na Terra (The Man Who Fell to Earth)

Diretor: Nicolas Roeg

Roteiro: Paul Maysberg, baseado no romance de Walter Tevis

Elenco: David Bowie, Rip Torn, Candy Clark, Buck Henry

Produção: British Lion Film Corporation, Cinema 5

Distribuição: The Criterion Collection

Ano: 1976

País: Reino Unido

Duração: 125 minutos (aproximadamente)

Censura (no Brasil): 18 anos (Nudez e cenas de sexo explícito)

O filme é muito sério (o Bowie não dá nem um sorrisinho durante todo o filme). Eu fiz uns comentários engraçados nas caixinhas só para quebrar o gelo. Eu gostei do filme, aborda a temática da solidão e do “ser estrangeiro”: se sentir perdido em uma terra que não é a sua. Quem nunca se sentiu um estranho, mesmo no meio em que vive? Thomas Jerome Newton, o protagonista dessa história, se sente perdido e atordoado na Terra. Mesmo que tente voltar ao seu planeta natal, se sentirá preso à Terra. Mas ele jamais voltará ao lugar de onde veio.

Diferentemente da maioria dos alienígenas do cinema Tommy é um ser frágil, passivo e indefeso. E diferentemente de Ziggy Stardust, outra figura alienígena que foi encarnada por Bowie nos anos 1970, aparentemente não tem a carga sexual excessiva (aparentemente, mas depois tem cenas de sexo que fariam Ziggy corar seu rosto branco). Tommy é dotado de uma pureza e de uma ingenuidade que dão até dó. Seus valores não se ajustam aos dos humanos com os quais convive. A sua companheira humana Mary-Lou o encaminha no vício: a televisão e o gim (uma bebida alcoólica fortíssima e altamente viciante) e acaba se tornando a perdição de Tommy. Por causa de Mary-Lou Tommy ‘se esqueceu’ da esposa e dos dois filhos que estão o esperando. A vida de humano o seduziu.

O filme, baseado num romance de ficção científica de Walter Tevis, conta a história de um alienígena humanoide que veio para a Terra em missão de paz (levar água ao seu planeta natal): usando o nome Thomas Jerome Newton e um passaporte inglês, aparece de repente numa cidade no meio do nada chamada Haneyville e vende um punhado de anéis para poder ir para Nova York. TMWFTE-1

Aquele lá em cima sou eu!

Thomas (ou Tommy) fisicamente se parece com um ser humano normal de vinte e poucos anos (exceto pela parte de que esse “ser humano normal” é o David Bowie). Apesar de seu jeito meio estranho, o homem que caiu na Terra parece ser normal. Sua única mania: beber água. De qualquer canto: se derem água de esgoto, o Tommy bebe e com gosto. Mesmo.

Poor Tommy has such a hard time with our gravity. Lying atop him would be a very bad idea.

Olha a água mineral. Você vai ficar legal!

Quando consegue uma grana se manda para Nova York. Entrega seu tesouro (uma pasta cheia de papeis) para o advogado de patentes Oliver Farnsworth e ainda lhe promete 5% da empresa e 10 % dos lucros. As nove patentes básicas eram revolucionárias e fariam as grandes corporações se tornarem obsoletas (para os anos 1970, hoje em dia seriam café pequeno). E com essas patentes, Newton monta seu conglomerado, a World Enterprises. Que lhe rende uma grana preta, 300 milhões em apenas três anos, só isso. Tá bom pra você?An alien in a fedora

Thomas Jerome Newton: O homem à base de água…

E começa The Rise and Fall de Ziggy…ops, de Tommy. O nosso alienígena bonzinho comanda seus negócios de dentro de uma limusine (que tem uma antena e um telefone!). Quando estava vendo essa parte, me lembrei de uma música do Iggy Pop, “The Passenger” (que tem uma versão em português chamada “O Passageiro”, do Capital Inicial), “I am the passenger/And I ride and I ride” (a tradução ficou assim: “Eu sou o passageiro/Eu rodo sem parar”).

O Tommy fica rodando feito um doido no banco de trás da sua limusine (ele tem um motorista!) por paisagens desérticas e bebendo muitos copos de água do frigobar (daí a a legenda: o homem à base de água). E comandando seus negócios por telefone.

Nesse meio tempo, aparece Nathan Bryce, um professor de química divorciado que gosta de transar com as suas alunas. E que quer trabalhar na World Enterprises, pois se sente insatisfeito com o emprego na universidade em que dá aulas e com o seu chefe, Canutti.

Um lindo dia, o Tommy fica entediado de ficar só rodando e resolve ir para um hotel. Com o nome de Mr. Sussex vai para um quarto. Mas o cara passa mal no elevador (passa mal é eufemismo, o cara parece que tá morto).

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Ai, meu Deus, o cara morreu! Chama o rabecão!

É atendido por uma garçonete mega ultra carente chamada Mary-Lou. A mulher é viciada em televisão e gim (teor alcoólico de 43%, tá bom pra você?). Os dois ficam conversando como se não houvesse amanhã.

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Como dívida de gratidão, Tommy chama Mary-Lou pra ir rodar com ele. Mas Tommy já é casado e pai de família lá no planeta dele. A sua missão é levar água pra sua família, os únicos sobreviventes naquele planeta árido. E aos poucos, Thomas Jerome Newton começa a esquecer do que veio fazer na Terra.

Mary-Lou leva o Tommy para a igreja. Eu achei essa cena muito boa, porque pessoas normais pensam que em filme que apareça um cantor, ele tem a obrigação de dar um show, se tiver que cantar. Nesse filme, não. O David nessa cena canta mal porque ele não é o David, em cena é o Tommy. E o Tommy não é o David Bowie, o cantor que surpreende até menininhas do século XXI como eu.TMWFTE-4

Passa um tempo. Tommy e Mary-Lou vivem um romance terno e quase sem-graça, quase uma obrigação contratual. Mas que pega fogo debaixo dos lençóis. Pega fogo mesmo.

Umas das cenas mais legais do filme (e que tem um pouco de putaria), é o Tommy dando uma desculpa para Mary-Lou: não sabe como se secar (provavelmente porque nunca tomou banho na vida). E a mulher, paciente, ajuda o seu parceiro de outro mundo a se secar. A cena no qual os dois estão no seu ninho de amor, intercalada com uma cena em que Tommy dá de presente a Mary um telescópio, é uma das mais fodonas de todo o filme. O diretor Nic Roeg conseguiu tirar poesia de uma cena de sexo…

Tem outra cena proibida para menores que eu gosto. Mas vou contar mais na frente. the man who fell to earth

Em outro filme em que o David atua tem um fenômeno parecido. O diretor de “Fome de Viver” Tony Scott fez uma coisa semelhante (tirar poesia de uma cena de putaria): numa cena em que Miriam Braylock (Catherine Deneuve) e John Braylock (David Bowie) estão tomando banho (juntos) depois de uma caçada (os dois foram para uma boate que tava tocando Bauhaus, o casal seduz dois incautos, os matam e se alimentam do sangue deles. Simples, não?). Obviamente os dois são vampiros e estão juntos há cerca de 300 anos (e nunca tiveram uma DR, incrível). John diz a Miriam “Para sempre?”, ela responde “O quê?”, ele continua “Para todo o sempre” e os dois se beijam. Detalhe: os dois estão pelados, debaixo de um chuveiro e estão juntos de uma maneira tal que não sabemos onde começa Miriam e termina John. Para mim é o símbolo de um amor que deveria durar para sempre, até que o John começa a ficar velho de uma hora para outra…e não vou estragar a surpresa. Assista.

Mas voltando ao Tommy e a Mary-Lou: os dois vão morar juntos em uma linda casinha com uma temática japonesa perto de onde Tommy caiu. Parece um casamento normal. Mas nada que tenha o dedo do David Bowie é normal.

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Inclusive uma das fotos do filme virou uma montagem, que está na exposição “David Bowie is…”. Quando essa exposição vier ao Brasil você pode conferir de pertinho.

Fica com vergonha, não.

Depois de algumas ceninhas de sexo entre Tommy e Mary-Lou, o “casamento” começa a desandar: o alienígena bonzinho começa a ver muita televisão a ponto de não conseguir sair da frente do mural de televisões. Vicia mesmo. E não liga mais para a sua querida Mary-Lou. Só pras suas tvs e pro seu gim (Anotaçãoele aprendeu a beber…). Uns dizem que a cena em que Tommy aparece em frente às suas tvs e quase pira inspirou uma das músicas de “Station to Station”: TVC 15.

Mulher, sai do meio. Tá passando um monte de coisas e eu quero ver todas!

Mas isso não é o pior: Mary-Lou quer ir pro banheiro. Tommy tá lá dentro há muito tempo. Cansado de ser David Bowie, Tommy resolveu despir-se da pele do Camaleão e foi ser ele mesmo. Despiu-se mesmo.

Mary força a porta do banheiro e a abre. E se espanta: Tommy não é desse planeta!

Mas depois o casal tem uma DR. Tommy não explica o que é de verdade (na lata), mas dá pistas. E tem que voltar a vestir a pele do Camaleão, porque sendo o que é de verdade tem atratividade zero para Mary-Lou. Nível de sex-appeal negativo.

Mas o couro começa a comer para o casal Tommy e Mary-Lou. A cena mais bizarra é a retratada nas fotos abaixo. Tommy, puto com a sua companheira humana, taca a mão na travessa de biscoitos que ela está carregando. Diz que quer se separar e promete a Mary uma grana preta, mas ela não aceita (os dois vivem em comunhão de bens, quase um casamento).the man who fell to earth7

Querida, precisamos conversar. Sabe, eu vim de outro planeta e você descobriu o meu segredo. Que tal terminarmos com isso e cada um seguir a sua vida? Te deixo uma grana preta, um disco meu autografado e nos separamos.

Se em casa as coisas não iam lá muito bem, os negócios da World Enterprises estão indo muito bem, obrigado. Agora, no ramo aeroespacial. Thomas Jerome Newton constrói sua cápsula para levar água ao seu planetinha natal. E tenta partir para o seu lar, onde sua esposa e seus dois filhos estão o esperando.

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Nathan começa a ficar desconfiado de que Tommy não é que nem todo mundo. Passa um raio-X no dono da empresa em que trabalha e descobre que o cara não tem nenhum osso aparente. Mas o Tommy descobre a armação (além de manter o corpinho de David Bowie eternamente jovem, ele consegue ver raios-X, para ele é uma luz cegante) e abre o jogo. Seu segredo está ameaçado.

Ele tenta partir para seu planeta natal, mas é pego por uma armadilha armada pelo governo, Farnsworth é morto com o seu amante Trevor, a World Enterprises vai à falência e Mary-Lou se casa com Nathan Bryce. Tommy é levado a um hotel, no qual é mantido em cárcere privado e submetido a montes de experiências dolorosas. Do tipo: pegam um bisturi e enfiam nos mamilos para ver se sai sangue (só para constar: sai e não é azul)…

Abra a boca, Tommy.

Para fazer todos os exames teremos que te embebedar, sr. Newton. Quer um pouquinho mais de gim?

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Calma, gente. Eu mesmo tiro as minhas lentes.

Não faz isso, por favor! Vou ficar cego! Já basta um dos meus olhos ser quase cego! Vocês humanos são maus comigo!

Passa mais um tempo. Mary-Lou tá velha, casada e baranga e o Tommy já está há muito tempo em cárcere privado e sem pegar nada, nem mesmo resfriado. Com um pouco de fome e tédio, resolve ameaçar a sua mulherzinha humana com um revólver. Detalhe: ela tá só com uma banana e o Tommy tem nas mãos uma arma de fogo altamente letal. É interessante o discurso que Tommy dá para Mary-Lou: “Eu poderia te matar bem aqui nessa cama. E aí eles te levariam embora e me trariam outra garota”. Muito bonito, T.J.N. O que a falta de mulher não faz com o alien…the man who fell to earth3the man who fell to earth4the man who fell to earth5 Thomas-Jerome-Newton-the-man-who-fell-to-earth-19403735-496-330

Querida Mary-Lou, você vai morrer. Sabe, o nosso ‘casamento’ andou abalado depois que você descobriu o que sou de verdade. Não te amo mais do jeito que eu te amava há, sei lá quantos anos. Durma bem. T.J.N

Mas a porra da arma não atira?! E gera a outra cena de putaria que eu citei lá em cima, só que sem poesia (tem uma baita selvageria): os dois transam e ficam brincando com a arma. Detalhe: segundo Angie Bowie “[…] Seu orgulho pelo tamanho e potência de seu equipamento sexual é obviamente justificável (nesse caso, o orgulho é do David)” (Bowie, Angela; Patrick Carr. Backstage Passes – Life on the Wild Side With David Bowie. Nova York: Cooper Square Press, 2001). E na cena de Tommy brincando com o revólver mostra o tal “equipamento sexual” do David. Por isso se justifica a censura 18 anos.

Depois Tommy tenta presentear Mary-Lou com a única coisa que realmente pertencia a ele: um anel (um dos anéis que ele vende no começo do filme e com ele consegue uma grana preta). Mas ela reclama que o anel não serve e sai, em prantos.

Mas a putaria termina aí. Passa mais um tempo. Mary-Lou, mais velha e baranga do que nunca compra de presente de Natal uma garrafa de gim. E a aproveita ao lado de seu marido, que parece um cacareco.

Nathan vai para uma loja de discos. Eu notei que tinha um anúncio do disco “Young Americans” no alto. O Nathan presta atenção em um disco, cujo o nome é “The Visitor” (literalmente O Visitante). Vai atrás do Tommy e lhe pergunta porque gravou um disco. Tommy responde que provavelmente sua esposa irá ouvir pelo rádio (mesmo sabendo de antemão que ela e seus filhos estão mortos). E depois o filme acaba. Provavelmente Tommy passará o resto dos seus dias na Terra como um bêbado com o rosto do David Bowie.16The Man Who Fell

Depois do Homem que Caiu na Terra…

Depois do fim das gravações do filme o David chamou a sua banda e foi gravar “Station to Station”. As gravações duraram APENAS 10 dias, pois as músicas que iriam entrar na trilha sonora de “O Homem que Caiu na Terra” entraram nesse disco. As exceções são “Station to Station”, “Golden Years” (há uma disputa entre Angela Bowie e Ava Cherry pelo posto de ‘musa inspiradora’. Na introdução de “Backstage Passes” Angela conta que David cantou “Golden Years” pelo telefone para tentar reconquistá-la), e “Wild Is The Wind” (que, mais uma vez, é um cover). Pouco tempo depois do lançamento do filme, “Station to Station” foi lançado, em janeiro de 1976. As duas capas do disco remetem diretamente ao filme “O Homem que Caiu na Terra”.

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Capa original, de 1976. Essa capa está na edição de luxo. Mais embaixo posto foto da edição completa.

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Capa do relançamento, nesse caso de 1991. Infelizmente, só tem importado. A edição de luxo, lançada em 2010 tem um show na íntegra: o show no Nassau Coliseum em 1976.

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Esse é o meu papel de parede do computador.

Na opinião dos críticos é um dos discos mais acessíveis, mas ao mesmo tempo mais complicados da discografia de David Bowie. É acessível por causa das baladas românticas e pelo som (funk misturado com sons eletrônicos). É complicado pela enorme quantidade de referências: vão da cabala ao cristianismo, passando pelo ocultismo, pela filosofia de Nietzsche e o seu super-homem. Em “Station to Station” o David inaugura uma persona nova, a persona que tem mais a ver comigo: o nosso querido Duque Magro e Branco, The Thin White Duke. Olha uma das fotos do lançamento e uma das minhas favoritas do Bowie: censura 18 anos.

O Duke, ditador do inferno do rock (segundo um site), é a mais cruel e terrível persona artística do David Bowie (e por sinal, a sua última). É uma espécie de ‘evolução’ do Blue Eyed Soul Boy (Garoto Soul de olhos azuis, a persona de Young Americans, um Bowie americanizado que cantava soul e funk) com uma mistura com o personagem Thomas Jerome Newton, do filme “O Homem que Caiu Na Terra” (um ‘homem’ meio frio e que transava por prazer, puro e simples). The Duke incorporou o estilo de cantar e o estilo musical da persona anterior. E com isso, faria a América pagar os seus pecados. O Duke incorporaria o antigo Bowie e que seriam dramaticamente diferentes dos Bowies anteriores. Nas roupas, na voz, nos trejeitos, em tudo. Nas fotos de divulgação de #StationtoStation, Bowie aparecia de maneiras esquisitas. Como nessa foto da edição japonesa: a não ser que você não tenha reparado, o Bowie está vestido somente com uma jaqueta da RAF (Real Força Aérea) estendida sobre seus ombros, com as mãos algemadas cobrindo o seu sexo. Se alguém souber japonês, por favor traduza e mande nos comentários.

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O Duke é descrito por alguns biógrafos de Bowie como “um aristocrata louco”, “um zumbi amoral” e até de “super-homem ariano sem emoção” (aí já é demais), para Bowie não era nada além de “um personagem desagradável”. Alguns acham que é uma extensão do Thomas Jerome Newton do filme que numa parte grita pela sua querida Mary-Lou (sua amante). Muitos classificam “Station to Station” como um álbum de canções de amor e um disco de transição: do plastic soul para o Kautrock ou Kraft rock cheio de texturas e sons que ele faria na Trilogia de Berlim (vou falar desses discos, vou avisando!). Essa persona (Thin White Duke) se tornou uma espécie de apelido para o David Bowie. O nome original do disco “Station to Station” seria o primeiro verso da música homônima: “The return of the Thin White Duke”.

Mas depois de uma treta que o DB teve com a CIA…bom, essa história é pra mais tarde!

Nem foi tempo perdido, Somos tão Jóóóvêêns!

Eu estava assistindo um filme que eu achei muito massa: “Somos tão Jovens”. Fala do movimento punk de Brasília com muita propriedade. Vou colocar no trabalho de Cultura e Civilização da Língua Inglesa para exemplificar o movimento punk no Brasil.

Nos créditos do filme diz que “é uma obra de ficção inspirada na biografia de Renato Russo”. Mas essa ficção é muito bem-feita. A gente mergulha na história de maneira tal que a gente se apaixona.

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Estamos em 1976, aproximadamente. O mais velho dos dois filhos de dona Maria do Carmo e do seu Renato foi diagnosticado com uma doença grave e rara: Epifisiólise. O rapaz teria que ficar na sua cama, sem se mexer de jeito nenhum. No filme, a cena em que Renato está andando de bicicleta e cai explica um pouco o que aconteceu.

renato na bike

Mas graças a um erro médico, Renato Júnior teria que ficar em sua cama de qualquer jeito. Mas ele começou a imaginar: criou um universo dentro de si. Sequelas: ele andava meio esquisito. E a ideia de montar uma banda.

Renato Russo, antes de ser Renato Russo, era um ‘simples’ professor de ingles. Numa cena do filme, em que o Renato está ensinando os seus alunos, ele mostra um dos seus cantores favoritos: Robert Allen Zimmermann, a.k.a (mais conhecido como) Bob Dylan. O cara foi demitido por ter ensinado aos seus alunos uma música dos Beatles: “Revolution”. Os alunos simplesmente i-do-la-tra-vam o professor cantor. Adoravam o professor Rei-na-to.

Ainda na época em que era um professor, Renato conheceu Fê Lemos. O Fê é filho de Briquet de Lemos, na época bibliotecário da UnB e tinha uma bateria que chegaria de Londres. Fê estudava na escola em que Renato ensinava. Os dois viraram amigos pelo punk. Mas os dois brigavam por exemplares da Bíblia dos punks, os periódicos Melody Maker e New Musical Express.

Nessa mesma época os dois conhecem Andre Pretórius, chamado no filme de Petrus.  Ele era filho do embaixador da África do Sul e bebia horrores. O cara era muito bonito, tinha uma namorada e umma guitarra. Em uma cena do filme Petrus ameaça um cara com uma garrafa quebrada. O trio monta uma banda, o Aborto Elétrico, em 1978.

renato,petrus, fe e flavio

Depois de um ano e meio de ensaiio e somente quatro faixas compostas, no início de 1980 num barzinho do tamanho de uma caixa de fósforos chamado Só Cana, aconteceu o primeiro show do AE. O roadie (uma espécie de faz-tudo) Flávio Lemos (o mano do Fê) não tinha palheta e o Petrus rasgou os dedos nas coradas da guitarra. No filme, a cena desse show é um completo caos e o sangue escorrendo é bem realista.

Mas o Petrus teve que voltar a sua terra natal. O coitado “vendeu a alma”, nas palavras do Renato. Andre Frederick Pretórius morreu de overdose de heroína em outubro de 1987 em Berlim (que ironia!). A cena em que Susie vai consolar o Petrus ao som de uma versão instrumental de “Soldados” é emocionante.

Já que o Sid Vicious louro (como o Petrus era chamado) voltou para a casa, o Renato pulou para a guitarra e Flávio foi para o baixo. De acordo com o filme, o “professor Manfredo” (como o Fê chamava o Renato) era gamado no irmão do baterista, chegando inclusive não às vias de fato, mas ao cúmulo da humilhação: em uma noite o Renato pediu para ir dormir com o Flávio (sei…), já que não poderia aparecer em casa. E o Flávio não quis. Será porque o Flávio é de Escorpião? Escorpião e Aries não dá coisa legal, sério.

Renato Russo e Flávio Lemos, em 1980. 109

O pessoal das bandas fazia publicidade de uma maneira completamente ilegal: faziam pichações. Não só o Aborto, mas a Blitz 64 (que deu origem à Plebe Rude), Os Metralhas (que tinha na batera Marcelo Bonfá), a Dado e o Reino Animal (primeira banda de Dado Villa-Lobos e de Dinho Ouro Preto) faziam pichações, colavam cartazes, tocavam suas fitinhas nas festas dos “bacanas”, etc, etc. Aí em baixo, o símbolo do AE.

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Um episódio a parte eram as invasões em festas caretas. A turma dos punks ia de penetra, dominava a festa e começava a zoação: trocavam os copos de uísque por óleo de peroba (maldade!), faziam interurbanos para o Japão pra saber como japonês dizia alô. Pulavam nus nas piscinas, por aí vai. Quer mais? Eles pediam para colocar uma fita cassete no som. Quando o anfitrião da festa percebia, era tarde demais: um bando de gente malvestida estava batendo cabeça, se jogando na parede e tomando todas ao som dos últimos singles lançados na Inglaterra e nos Estados Unidos. As invasões do filme são light comparada a essas aí.

turma da colina da UnB

Durante a época com o Flávio, foi composta a maioria das canções que mais tarde entrariam no repertório da Legião e do Capital, como Fátima, Veraneio Vascaína, Que País é Este, Geração Coca-Cola, Música Urbana… Se quiser conferir o que o AE aprontava, ouça Ao Vivo na Funarte e o MTV Especial Aborto Elétrico.

E Tome AE!E Tome AE (2)!

Mas o clima da banda estava indo pelos ares. Fê e Renato brigavam por qualquer coisinha e até o clima com o Flávio estava fechando.

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E a gota d’água aconteceu em 8 de dezembro de 1980, em que houve um show no Cruzeiro Velho. Nada demais, se nesse dia John Lennon tivesse morrido, assassinado por um fã na frente do Edifício Dakota.  No filme o Renato está sentado em uma calçada, chorando, com uma vela, um incenso, um disco e um garrafão de vinho (ele não bebia licor Cointreau). O Fê estava puto, porque o roqueiro-professor-jornalista não havia chegado e quando o roqueiro-professor-jornalista chega, está completamente bêbado. A parte da baquetada (Renato erra as músicas, o Fê joga uma baqueta e o Renato faz com a baqueta um gesto obsceno e na frente dos pais e da irmã!) é bem interessante e uma das minhas favoritas do filme.

Se fosse por causa disso, provavelmente a banda não teria acabado. Mas se o clima não estava um mar de rosas, com o lance da baquetada ficou pior. O clima da banda evoluiu de tempo fechado para tempestade com raios, trovões e ventania por causa de uma música: Química. Fê simplesmente odiou a música. Achava-a idiota e chatonilda. Eu achei muito louca a parte que o Renato mete um chute na batera do Fê e diz que o Aborto acabou e que nem mesmo que o Flávio lhe pedisse de joelhos ele voltaria.

Foi se virar como o Trovador Solitário. Cantava canções mais leves com uma inspiração no tal do Bob Dylan, citado lá em cima. Uma parte legal é quando Renato e Carlinhos passeam pela Rua da Alegria (uma zona de prostituição, um local frequentado pelos “peões-de-obra” do Plano Piloto e satélites, prostitutas, travestis e marginais, a Estação Zoo brasiliense). Numa parte do filme o povo joga moedas, porque detestavam o som. Tem um disco, “O Trovador Solitário” de 2008, de uma fita gravada aproximadamente em 1982, que tem versões alternativas de hits como “Eduardo e Mônica”, “Faroeste Caboclo” e “18 e 21”, mais conhecida como “Eu Sei”.

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Depois de uns meses, o AE vegetava. Ico, irmão do Dinho, entrou nas guitarras, mas morria de medo quando era na hora do vamo ver. Iriam ter uma apresentação apoteótica no Centro Olímpico Darcy Ribeiro da UnB, mas Ico sumiu. Ninguém viu. A única saída foi chamar o Renato. Ele foi e o AE teve sua derradeira aparição.

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Mas o Renato queria uma banda, Junto com Marcelo Bonfá, montou a Legião Urbana. Um tempo depois, Dado Villa-Lobos entrou no barco com as guitarras.

Legião Urbana, num dos primeiros shows em São Paulo na boate Napalm

Os Lemos chamaram Loro Jones (guitarrista da Blitz 64) e Dinho para montar o Capital Inicial.

Capital Inicial no início

Antes do fim do AE, apareceu a Plebe Rude. Dos restos da Blitz 64.

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E a turminha continua até hoje, por mais bizarro que pareça.

Os pioneiros

Não podemos nos esquecer das mulheres da vida do Renato! Dona Carminha (a mãe), Carmem Teresa (a irmã), Aninha, Olívia, Heleninha (irmã de Fê e Flávio Lemos) e Susie. A de maior destaque no filme é a Aninha. Uma das cenas mais loucas do filme é protagonizada por ela. O Renato e a Aninha estão no quarto. A gente pensa que estão fazendo algo que criança não pode saber até ver no colégio. Mas os dois estão apenas conversando, nada demais. Mas o Renato faz a burrice de gravar a conversa. E a Aninha descobre, fica com uma puta raiva do amigo que gravou a tal conversa e se manda. Depois o Renato, arrependido pra caralho grava umas fitas de desculpas, que não se sabe se Aninha ouviu ou não.

E lá pro fim do filme, o Renato dedica os versos de “Ainda É Cedo” para a Aninha.

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O filme acaba com um show da Legião em que a voz do Renato não é a voz do Renato, é a do Thiago Medonça. É muito emocionante, cheguei até a chorar no fim do filme.

Ao som de: Benzina, Que País é Este, Brasília, Música Urbana, Fátima, Será, Ainda é Cedo, Geração Coca-Cola…e toda a trilha sonora do filme. Ponto. #SomosTãoJovens