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Uma adolescente como outra qualquer. Só que eu gosto de escrever, assistir filmes, ouvir boa música e ler.

Escola de calor ou sobre morar em um lugar novo

“For, Lord, I was free of all Thy flowers, but I chose the world’s sad roses,

And that is why my feet are torn and mine eyes are blind with sweat”.

Impenententia Ultima, Ernest Dowson.

Estou morando em Fortaleza há mais ou menos umas três semanas por que passei na seleção para o mestrado em Estudos da Tradução na UFC. E o que aprendi com essa experiência? Primeiro, que você não deve se deslumbrar com tudo. Eu ainda não achei uma loja que venda camisetas do David Bowie ainda. Nem mesmo uma guitarra Fender Telecaster. Enquanto eu não tenho condições de comprar uma Telecaster original canhota, fica só no sonho. O que mais cabe no meu orçamento é comprar um pôster de Juventude Transviada…

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Eu adoro a legenda do pôster original: “…e eles vieram de ‘boas’ famílias. #sqn

Amigos ou: como se relacionar quando seu gosto não bate com o de ninguém

E depois de mais um tempo no limbo (cuidando de TCC e outras coisinhas), voltei. Estou começando com uma série chamada A Autoajuda que eu gostaria de ter.

Desde quando eu era mais novinha, sempre curti rock and roll. O problema era que desde sempre o que eu curto não é interessante para mais ninguém a não ser para mim. Na escola eu ouvia muito Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, a tríade das bandas de rock de Brasília. Ou seja, a maioria dos meus amigos gostava de forró e eu achava isso uma grande babaquice.

Na faculdade isso não mudou muito de figura. Na faculdade, eu fico ouvindo David Bowie, Rolling Stones, Beatles, The Doors e todas essas “bandas velhas”, como minha irmã do meio costuma falar. Eu gosto de filmes de ficção científica bem hard, daqueles filmes que você tem que se achar muito esperto para poder falar sobre eles, animes, filmes de super-heróis e filmes do Tarantino. Só que se eu falo de algum dos meus filmes favoritos com eles, vai dar merda. Minhas amigas não curtem isso. Primeiro, elas não sabem do que estou falando.

Seres humanos gostam de estar certos. Sempre, sempre. Não importam se o cara gosta de assistir comédias românticas cheias de açúcar ou filmes paródias turcos, acham que é a melhor coisa do mundo. Vou ser sincera, não curto muito romances do século XIX, acho eles meio chatos. Mas como já diriam, “gosto é que nem cu, todo mundo tem o seu”. A questão não é fazer os outros gostarem do que você gosta, e sim respeitar.

Nem todo mundo gosta de Star Wars, assim como nem todo mundo curte ler obras clássicas mais antigas do que seus bisavós. Ao mesmo tempo, é um saco a pessoa querer provar que está certo. Ninguém tem certeza de nada, pois se a pessoa acha que está certo, tem medo de que provem que ela está redondamente enganada.

Essa Maldita Timidez!!!

“O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós” (Jean Paul Sartre)

Depois de mais um tempo no limbo, voltei para falar de coisa séria.

Sabe aquela sensação de que o mundo vai desabar em sua cabeça? A de que você é tão interessante quanto um torrão de terra e que não vale a pena? Bom, essa é minha vida.

Desde que eu me entendo por gente, eu sou tímida. Mas depois que cresci percebi que tenho uma doença crônica, que fez com que a minha vida atrasasse bastante: tenho timidez patológica ou transtorno de ansiedade social. Nesse link aqui você vai encontrar algumas informações sobre isso.

É por isso que posto poucas fotos, e quando posto as minhas fotos têm menos curtidas de que as das minhas amigas, saio muito pouco de casa para me divertir, converso pouco, quase que vivo “A Vida Secreta de Vanessa Alves”, pois ninguém sabe muito da minha vida.  Eu sei que isso é muito triste, quase entrei em depressão umas poucas de vezes. Não é a coisa mais legal do mundo achar que todo mundo quer te fazer mal. Já chorei muitas vezes. Diferentemente de pessoas que realmente querem o isolamento, eu quero e muito interagir. No entanto, o meu medo fala mais alto. Não consigo me lembrar do tanto de amizades que perdi porque falei demais.

Quando eu tinha oito anos de idade, eu fiquei traumatizada de verdade. Um cara tentou me estuprar. Isso mesmo que você leu: fui vítima de uma tentativa que não se concretizou. Isso me traumatizou de tal maneira que eu nunca mais me recuperei. Até poucos meses atrás, somente meus pais e minha psicóloga sabiam disso. Ainda é muito difícil lidar com o trauma, ainda mais que o cara mora a poucos metros da minha casa.

Mas, a vida continua. Tenho que matar um leão por dia. A timidez é uma cruz que eu tenho que carregar, mas diferentemente de muitas pessoas com o mesmo problema que eu, tenho uma família que me ajuda sempre.

Quando você quer extravasar…

“She gets
She gets
She gets
She gets high…” (Break on through (to the other side)

“I like people who shake other people up and make them feel uncomfortable.” (Jim Morrison)

Eu sou uma garota com histórico de doenças mentais na família. Tenho um tio e um primo com esquizofrenia, então o medo da doença mental sempre rondou meus pais e familiares. Eu já tomei antidepressivo para controlar a ansiedade depois que passei no vestibular e fiz sessões de terapia com uma psicóloga porque eu puxo o meu cabelo. Isso é uma doença de verdade, se chama tricotilomania. Tenho dificuldades para falar em público, tanto é que eu sempre estrago uma aula ou uma apresentação. Por isso também nunca arrumei um namorado, nunca tive coragem de chegar em ninguém.

Bom, mas para extravasar o que estou sentindo, o que eu faço? Simples: não bebo de jeito nenhum. Eu andei lendo uma versão em português de Portugal da biografia do Jim Morrison (Ninguém Sai Vivo Daqui) e notei algo de bem interessante: ele era um cara muito tímido em privado, mas a figura pública era um cara extrovertido demais. Por isso ele bebia para caralho e viajava no ácido demais. Vide essa performance marrravilhosa de “The Unknown Soldier” em 1968. A parte mais legal é no minuto 2:28: Jim Morrison sendo fuzilado. Meu, hoje em dia não achei nenhum performer de nenhuma espécie tão louco quanto ele. Tão louco e tão são também.

Outra coisa: não seja o David Bowie. Hoje em dia ele é um senhor respeitável e super discreto, mas nos seus loucos dias de juventude, ele cheirava adoidado.

Eu admito que não voltei a fazer terapia. Motivo: o tempo curto. Estou muito ocupada com a faculdade, mas eu sei que a minha saúde mental também é prioridade. E para fechar, uma canção que eu acho sensacional.

Até o próximo texto,

Desejando muito mana para vocês,Created with Microsoft Fresh Paint

Rock is dead. Pop is already dead.

(Pelo amor de Deus, não me batam!)

(Esse post pode conter palavrões cabeludos)

Na minha humilde opinião, não tem muita coisa boa na música atualmente. Podem me linchar, me chamar de recalcada, mas o que eu estou falando tem fundamento.

Rock is dead. Mortinho da silva. E não foi o Billie Joe Armstrong quem matou o gênero punk rock. Atualmente não tem mais nada bom demais no gênero. Tanto é que eu fico ouvido clássicões tipo David Bowie, The Rolling Stones, The Beatles (só não acho que seja tudo isso), The Doors (o que eu ando ouvindo para caralho ultimamente. Porra, o Jim Morrison era lindo para caralho e cantava bem demais, o problema é que é ruim de entender tanta imagem maluca e ele bebia demais…).

Porque você se foi tão cedo, Jim Morrison?!
Porque você se foi tão cedo, Jim Morrison?!

O rock atualmente não tem nada de novo. Motivo: tudo já foi feito. Se aparecesse alguma coisa, vai ser comparado com outra do passado. Para que vou ouvir o novo, se os antigos são melhores?

E a música pop morreu para mim quando o Michael Jackson morreu. Na minha opinião, não tem nenhum artista que atualmente eu acompanhe, simplesmente porque na minha opinião não vale a pena. Eu escuto, mas não acho que seja isso tudo. OK, até a Madonna. Mas a Madonna vale a pena.

OK, não achei o disco novo da Madonna nada demais. Por um motivo óbvio: não há nada de novo no front. Nada mesmo. Ela já fez de tudo.

Hip-hop? Nem curto muito. Próximo!

(P.S.) A música da Iggy Azalea PU$$Y.

E o discurso “maravilhoso” de Chet Pussy (Cheech Marin) em Um Drink no Inferno, o filme. Toda vez que eu escuto a música da Iggy Azalea do post anterior (ou a filha bastardinha do Iggy Pop, porque eles se parecem muito) eu lembro dessa parte do filme.

Eu até curto música eletrônica, mas depois que o David Guetta perdeu o pen-drive… (Não acredita? Tem o vídeo no YouTube!) o respeito por ele foi junto.

Mas voltando: o que me deixa irritada com tudo isso é: Porque não discoteca aquilo ao vivo? Dá trabalho, eu sei, tenho amigos DJs, mas você gasta para caralho para pagar por um DJ cujo playlist está no pendrive?! Porra!

Depois eu termino, porque isso vai demorar e isso é somente uma demo. Fiquem com o “Soldado Desconhecido” do The Doors. E não me batam, por favor!

Uma performance de louco

Aviso: essa postagem contém fotos com nudez, consumo de drogas, palavras de baixo calão e Mick Jagger, o rei dos pé-frios. (+18)

Palavras-chave: atuação, imagem, performance, crime, castigo, violência, identidade, rock pauleira até amanhecer.

Ouvindo: “Performance – Original Soundtrack”, “Exile on Main St.”

“Esse filme é sobre a relação do Homo Sapiens com a Dona Violência”

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Esse é o cartaz do filme “Performance”.

De presente de aniversário não ganhei nada (ainda). Mas eu tinha começado a baixar esse filme no dia do meu aniversário de 18 anos. Então, é o meu presentinho. Não ganhei apenas 1, ganhei 10! Tinha terminado de baixar a OST do filme, o filme dos Simpsons, um bootleg dos Beatles, outro do David Bowie, dois discos dos Stones (Some Girls e Exile on Main St.), disco NEW do Paul McCartney e um disco da Lady Gaga.

No ano de 1970 foi lançado um dos filmes mais…escandalosos da história do cinema: “Performance”. Dirigido por Donald Cammell e por Nic Roeg, tinha no elenco James Fox como o gângster Chas, Mick Jagger (aquele lá dos Stones) como Turner e a modelo Anita Pallemberg (que fez outro papel marcante no cinema, a Rainha Negra em Barbarella) como Pherber. O mais legal nesse filme não é a putaria que acontece em 75% do filme e sim como era a juventude inglesa da década de 1960. É o retrato de apenas um lado, o lado selvagem da juventude inglesa da década de 1960. Informações técnicas abaixo.

Título: Performance
Diretor: Donald Cammel e Nicholas Roeg
Roteiro: Donald Cammel
Elenco: James Fox, Mick Jagger, Anita Pallemberg, Michèle Breton
Produção: Goodtimes Enterprises para a Warner Bros.
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Ano: 1968, mas lançado em 1970
País: Reino Unido
Duração: 105 minutos (aproximadamente)
Censura no Brasil: 18 anos (Cenas de Nudez, nudez frontal masculina, sexo não-simulado, consumo de drogas, tortura e assassinato)

Eu indico antes ver o documentário “Influence and Controversy: Making ‘Performance’” (Influência e Controvérsia: Fazendo ‘Performance’) pois tem o depoimento de quase todo mundo envolvido no filme e de um professor da Universidade de Princeton. Não dava para ter o depoimento do diretor, morto em 1996 (o cara filmou o próprio suicídio), mas senti falta do depoimento do Mick Jagger. O documentário é curtinho, meia hora, mas dá para se entender o contexto do filme. Anita-e-Mick-Jagger-no-filme-Performance-1970.

Pheber (Anita Pallemberg) e Turner (Mick Jagger) como um casal. E o Keith Richards e a Marianne Faithfull sabiam do que rolava. E se pegavam.

A Warner Bros. queria fazer com os Rolling Stones algo parecido com o filme “Os Reis do Iê-Iê-Iê” (A Hard Day’s Night), o primeiro filme dos Beatles. Naquela época, a principal propaganda para as bandas de rock não eram os videoclipes e sim o cinema. Vale lembrar que os inventores do videoclipe foram os Beatles. O que os executivos queriam era um filme que representasse a “Swinging London” da década de 1960, mas que fosse leve. Para esse filme Mick Jagger tinha deixado o cabelo crescer e pintado de preto. Esse cabelo ainda aparece no Rolling Stones Rock and Roll Circus.

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Keith Richards, “marido” de Anita Pallemberg, chegou a ir ao estúdio e armou um quiproquó, porque a mulher dele dormia com o Mick Jagger na mesma cama e para piorar a situação, com muita gente olhando (sob a direção de Donald Cammel). Mas o que surpreendeu não foi o que os executivos da Warner queriam e sim o que eles viram.

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Mick Jagger, parecendo um tanto chapadão, em cena de Performance (1970).

“O único comportamento que faz com que seja, que realmente faz…que faz todo o caminho, é o que atinge a loucura. Tô certo? Tô certo? Você tá comigo?” (Turner Payne ou Turner Purple).

Esse filme entrou para a história do cinema por vários motivos. Primeiro: o Mick Jagger. Esse é o seu primeiro papel sério no cinema. Mas o problema é que ele aparece em apenas 4 filmes, exceto os dos Rolling Stones (Sympathy for the Devil, Gimme Shelter, Let’s Spend the Night Together, Shine a Light e o nunca lançado Cocksucker Blues). Ele podia ter explorado um pouco mais seus lábios carnudos, de fazer inveja a muita mulher. Os outros papeis que ele fez não são tão marcantes comparados ao roqueiro aposentado na flor da idade Turner (inclusive um desses papeis foi feito em uma penitenciária brasileira, com atores brasileiros). O Jagger canta no filme, mas não precisava muito. Uma das cenas mais famosas é justamente a que Turner canta “Memo from Turner”, vestido de chefe de gângsteres, uma música composta pela dupla Jagger & Richards e tocada pelos Rolling Stones.

Pra cantar junto!!

Segundo: o filme foi gravado em 1968, mas lançado somente em 1970. Motivo: as várias montagens que foram necessárias para o filme. Os negativos originais quase foram destruídos. O filme era tão sem vergonha que a mulher de um dos executivos da Warner Bros. (que distribui o filme até hoje) vomitou no set de filmagem e nem era a hora do “vamo ver”. A putaria era tão grande que a maior parte das cenas tiveram cortes, para que fosse possível ser exibido nos cinemas. E existem diversas edições (com maior ou menor grau de putaria, são seis ao todo), mas a que eu assisti é a edição norte-americana (com alguma putaria). Raramente o filme foi exibido completo. Com os outtakes dava para se fazer um “Performance 2”. Outra coisa interessante sobre alguns outtakes: uma parte do filme (que mostra Turner com a namorada Pheber transando numa das camas do cenário da casa em Powis Square) foi premiado num festival de filmes pornô na Holanda. Uns dizem que essas cenas não foram simuladas, foram pra valer.

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Vida boa, hein Mick?

Terceiro: a maioria dos atores gravou as cenas completamente chapados. Isso inclui o Mick Jagger. E principalmente a Anita Pallemberg. Nessa época ela não era viciada em heroína (que foi justamente o motivo pelo qual ela se separou de Keith Richards), mas fumava baseados, cheirava pó e tomava mais chá de cogumelo que outra coisa. Na época do lançamento do filme, ela era tão viciada em heroína que injetava a droga na bunda. E reclamava do diretor, do set, do estúdio… A atriz francesa Michèle Breton simplesmente pirou: foi mandada para o sanatório anos depois.

Quarto: o Donald Cammell queria que os atores fizessem putaria. Ou como disse Keith Richards em sua autobiografia “Vida”: “ele estava basicamente montando pornografia de terceira categoria”. Agora tá explicado porque queriam os negativos destruídos. Porque se eles ainda existissem, poderiam editar somente as partes mais pesadas e viraria um puta filme pornográfico. Sem história, e muita putaria. Aqui embaixo um pedacinho do depoimento do Keith Richards. Ele compôs “Gimme Shelter” pouco depois.

“Anita (Pallenberg) estava filmando Performance, não muito longe, mas não quis ir ao estúdio. Deus sabia o que estava acontecendo. […] Uma das primeiras coisas que aconteceram entre mim (Keith Richards) e Anita foi aquela merda de Performance. (Donald) Cammell queria me foder, pois estivera com Anita antes de Deborah Dixon. Claramente, ele se sentia muito satisfeito com a ideia de que estava fodendo as coisas entre nós. Era uma montagem, Mick e Anita fazendo os papéis de um casal. Senti as coisas vindo pelo ar. Sabia que Mouche — Michèle Breton, o terceiro personagem da cena do banho no filme, não estava totalmente por fora da armação — costumava ser paga para “fazer o papel” de casal com seu namorado. Anita me contara que Michèle precisava tomar injeções de Valium antes de cada cena.” (Keith Richards, Vida)

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Calma, Mick querido. Meu marido sabe de tudo.

Dirigido (e escrito) por Donald Cammell e por Nic Roeg, esse filme pervertido sobre identidade, a falta dela e quando o mundo do crime encontra o mundo das artes é uma história de desencontros. Chas (James Fox, que ficou meses com bandidos de verdade), um gângster londrino, matou um cara e se o chefe dele descobre, ordenaria que empacotem o cara. E como não está disposto a virar presunto, Chas se manda. Descobre que um cantor chamado Noel está de mudança de um quartinho no porão de um certo Turner Payne (Mick Jagger, em seu primeiro papel no cinema, muito antes de filmes como “Gimme Shelter”, mas depois de “Sympathy for the Devil”), um roqueiro aposentado ainda na flor da idade. Chas muda de nome, vira Johnny Dean, malabarista de elite e se manda para o quarto do Turner em Powis Square (onde Mick Jagger tinha chegado a morar em meados de 1964, quando os Stones estouraram). james-fox-performance

Esse é o Chas, depois de descolorir o cabelo na casa do Turner.

Lá, é recebido por Pherber (Anita Pallenberg, que na época era ‘esposa’ de Keith Richards, guitarrista dos Stones), uma espécie de secretária, amante e cultivadora de cogumelos. Parece ser estrangeira. Naquela casa ainda mora a imigrante francesa Lucy (Michèle Breton, a das injeções de Valium), que devia ter saído do Reino Unido. Turner não sabe de nada de que o seu quartinho foi alugado por um gângster que se finge de malabarista (Chas realmente faz malabarismo, com a lei). Numa série de diálogos desencontrados, os dois negociam o quartinho por uns dias.performance-1

“Em nome de Deus, o que você fez com seu cabelo?”

A contragosto, Chas/Johnny Dean fica com um “povo estranho”. Não são raras as cenas em que Turner e Pherber estão com um baseado. Na cena da banheira, Pherber enrola um monte de baseados. Tanto Pherber quanto Lucy andam no apartamento com muita pouca roupa. E Turner é um cara andrógino, numa época em que a androginia que conhecemos nem era esboçada (a androginia só virou moda depois de 1972). Para piorar a situação para o Chas, Turner ficou gamado nele (é isso mesmo que estou escrevendo?). Chas se diz um ator (nesse caso um performer), mas tem que competir em atuação com o Turner. O filme foi baseado no romance “Desespero”, de Vladimir Nabokov, mas têm referências ao escritor argentino Jorge Luís Borges, ao escritor americano William S. Burroughs, a tratados de psicologia de Artaud (que une a loucura à atuação) e mesmo ao mundo do rock (em um momento do filme tem uma foto de Jim Morrison, morto em 1971) Performance é um prato cheio para quem curte uma…cena de sexo. 1973011,Q9dpB8jitxuDkdRiMYAXLdPnWFqRtVXKAO28Io7_jhBbMtSCVai_EnHoxeVgiZb1aX nfpXBgAMmtjWsCqzvHg==

Da esquerda para a direita: Turner (com um baseado na boca), Pheber (com uma toalha na cabeça) e Lucy (de peito de fora). Na banheira, na cama e na fazenda ou em cima de um tapete persa.

Isso mesmo: eu podia destacar os diálogos desencontrados, como a história se desenrola de maneira inesperada, a boa fotografia do filme (apesar de os executivos terem mandado passar a tesoura no filme diversas vezes), mas o destaque vai para as diversas cenas de sexo. O Keith Richards teve mesmo razão de armar um quiproquó: sua mulher (apesar de ele e Anita nunca terem sido oficialmente casados) estava deitando com o seu melhor amigo, mesmo que fosse por “razões artísticas”. Como se não bastasse, Anita dormiu com uma mulher no filme. E felizmente o estúdio Warner mandou passar a tesoura no filme.

Uma das cenas me chamou a atenção: o take original (ao que parecia) seria Chas trocando bitocas com Turner. Mas como o Mick Jagger era um estereótipo do machão (me engana que eu gamo, Mick), mesmo com uma carinha quase andrógina (mas aí esse estereótipo caiu por terra quando Angela Bowie disse que o Mick tinha dormido com David Bowie), alteraram o take: Chas aparece dormindo com Lucy. Se você não prestar muita atenção, não nota, mas se prestar um pouco de atenção percebe a diferença. No cartaz inglês do filme dá pra ver:performance

Mais três pra minha lista…

Chas se identifica muito com Turner, a ponto de assumir uma identidade semelhante à dele: um roqueiro andrógino (quando a androginia nem era moda). A personagem Pherber pergunta certa vez para Chas, com curiosidade:

“Alguma vez você já sentiu o seu lado feminino?”

“Não, nunca. Eu me sinto como um homem. Um homem todo tempo.”

“Isso é horrível. É o que está errado em você.”. Um esboço de liberação?

Uma coisa que eu gosto nesse filme são os diálogos interessantes, principalmente os que têm trocadilhos. Um tem a sequência de palavras: “red, dead, dyed, red, dyed, dead, red, red” (vermelho, morto, tingido, vermelho, tingido, morto, vermelho, vermelho). Mais um é o que tem a sequência “fly, in my eye, why?, right”) (mosca, no meu olho, porque?, certo). Na língua portuguesa podem parecer palavras sem muito sentido, mas no inglês faz sentido. Todas essas palavras rimam entre si.

Minha cena favorita (se pensou que era a cena da banheira errou feio) é quando Chas vai falar pela primeira vez com Turner. O cara começa a falar normalmente em “Pelas suas vibrações eu sei que…” e pega um microfone ligado e grita “…você é um adversário da gravidade!”. Ainda manda uma história louquinha de Enrico Rastelli, o malabarista do rei da Toscana (ele realmente existiu).

A trilha sonora foi lançada em 1970, com “Memo From Turner” lançada em single.

Performance

Esse filme nunca tinha sido exibido no Brasil. Motivo: ditadura militar não deixava, porque tinha “consumo de drogas, cenas de sexo e sodomia”. O filme foi lançado diretamente em DVD aqui no Brasil.

A revista Rolling Stone simplesmente DE-TO-NOU o filme. Até eu tinha detonado no começo. Motivos: os beiços do Mick foram usados de maneira indevida? Não, é que o filme era muito ruim de entender e tinha muitas cenas de nudez e sexo.

Capa da Rolling Stone em 1970.

A maldição de Performance

E ainda por cima esse cúmulo da fodelice é amaldiçoado: o diretor Donald Cammel se matou em 1996, Anita ficou viciadona na H, Nic Roeg fez “O Homem que Caiu Na Terra” (brincadeira) e Michèle, bem, ela pirou na batatinha. Só quem escapou foi ele, Mick Jagger. Mas os Stones pagaram: pouco tempo depois do fim das gravações do filme, Brian Jones (membro fundador da banda) morreu afogado. E em “Gimme Shelter” um cara morre. Mas o cara é o rei do pé-frio, não só na Copa do Mundo (pelo amor de Deus, torça para o Brasil, Mick! Os brasileiros te amam!), mas em seus projetos cinematográficos e discos-solo.

Mick fez ainda o filme “Ned Kelly” sobre o herói da Austrália Ned Kelly, pouco tempo depois que “Performance” estreou. O Mick levou a namorada Marianne Faithfull na bagagem (frescando) para fazer o papel de sua irmã. Mas Marianne teve uma quase overdose de soníferos e não pode fazer o filme. Parra quem não conhece, a Marianne Faithfull é essa aí na foto com o Mick.

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E é só.

Uma Carreira Nova em Uma Nova Cidade: A Trilogia de Berlim

Finalmente vou falar da Trilogia de Berlim. São três discos de estúdio que simplesmente eu amo. Musicalmente são os trabalhos mais influentes do David Bowie (se não fosse por isso não haveria Joy Division nem David Guetta). Eles têm também um dedinho de Brian Eno, que mais tarde produziria um dos discos mais influentes do U2, “Achtung Baby” (1991) e mais obras do Bowie nos anos 1990 como “Outside” (1995) e “Earthling” (1999). Não estou frescando. Se não fosse pela Trilogia de Berlim, parte da música como a conhecemos hoje em dia não existiria. E você ainda acha David Bowie uma coisa chata…

Eu fiz um wallpaper com as capas dos três discos da trilogia, pode salvar e usar como papel de parede. Lá embaixo tem um com os discos da soundtrack de “Christiane F.: Wir Kinder vom Bahnhof Zoo” e um cartaz do filme.

Trilogia de Berlim

O que caracteriza o som dos discos dessa Trilogia é o experimentalismo. David Bowie, cansado do rock de glitter (de “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”, “Aladdin Sane” e “Diamond Dogs”), do plastic soul (de “Young Americans”) e do plastic funk com pitadas de música eletrônica (de “Station to Station”) resolveu criar algo novo, que fosse seu. Para isso contou com a ajuda de Brian Eno, que havia saído do Roxy Music, contemporâneo da fase glitter de Bowie.

Vou esclarecer alguns equívocos relacionados a esses três discos. De acordo com os críticos da obra de Bowie o nome “Trilogia de Berlim” é incorreto. Primeiro: somente um dos discos foi gravado integralmente em Berlim, que foi “Heroes”. “Low” teve partes gravadas em Nova York, Berlim e em Hamburgo e “Lodger” não teve uma faixa sequer gravada na capital da Alemanha (foi gravado em Nova York e na Suíça e finalizado em Montreal). Segundo: entre “Heroes” e “Lodger” tem um disco ao vivo, “Stage” (1978), gravado no Philadelfia Tower onde Bowie havia gravado quatro anos antes “David Live” (1974). Então, o nome “Trilogia de Berlim” seria somente para os discos de estúdio. Outro equívoco é dizer que os discos foram produzidos por Brian Eno pois, oficialmente os discos foram produzidos por Bowie e Tony Visconti. Eno, que foi um personagem vital no processo de criação dos mesmos, afirma que seu nome ficou fora dos créditos por não ter ajudado a pagar as horas gastas em estúdio.

Depois de uma tempestade dos diabos na vida do David (o vício em cocaína estava o destruindo completamente, seu casamento com Angie estava indo pelo esgoto e ainda o tachavam como nazista), um amigo lhe sugeriu que se mudasse. Para onde? Berlim, capital da Alemanha, para onde Lou Reed se mandou em 1973 e lá gravou um disco (ou melhor O DISCO dele): Berlin. Uma cidade dividida, como o nosso querido Actor. Bowie chegou a ser preso para averiguações nos EUA e a CIA montou um dossiê sobre a sua vida pregressa e colocando-o na lista de pessoas “potencialmente perigosas para a democracia”.

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O plano inicial de David era morar em Blonay, Suíça. Morando em uma área rural perto de um rio e só lendo, pintando e se vestindo de maneira simples David passava os dias. Era querido por todos. Lia horrores e pintava. Esse quadro foi pintado pelo Bowie e representa Iggy Pop em Berlim.

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Até que alguém apareceu para lhe tirar a paz. Isso mesmo: sua querida esposa, Angela. Ele começou a fugir dela, como o diabo foge da cruz. Pensou seriamente em ficar em Berlim. David se mudou de Los Angeles para Berlim após o fim de sua turnê, a Isolar I (do disco “Station to Station”), em setembro de 1976.

Antes dessa temporada conturbada em Berlim, David passou um tempo em Paris produzindo o primeiro disco solo de Iggy Pop: “The Idiot” (1976). Não é só porque o David faz um milagre de novo (o primeiro foram no disco Transformer, do Lou Reed e em All the Young Dudes, do Mott the Hopple, ambos de 1973) que eu recomendo. Uma curiosidade sobre esse disco: Ian Curtis, vocalista do Joy Division se matou e antes de se enforcar com o cinto pôs “The Idiot” para tocar (mas não foi por isso que o Ian se matou).The Idiot

E para promover o disco o Iggy teve uma ideia genial: chamou o David para ser tecladista e o backing vocal de sua banda. E obviamente Bowie topou, com uma condição: que não fosse revelado que o tecladista misterioso era ninguém mais ninguém menos que David Bowie. Mas isso só durou alguns shows. Descobriram que o tecladista misterioso era David Bowie. Causou um fuá…

Os três discos da Trilogia foram remasterizados nos estúdios Abbey Road de Londres (o mesmo que os Beatles gravaram durante anos e onde os discos da Legião foram remasterizados em áudio digital em 1995) e foram remasterizados em 1999. Fazem parte da “David Bowie Series” da EMI, no qual todos os discos do David Bowie que haviam sido lançado em LP foram remasterizados digitalmente (de “Space Oddity” de 1969 a “Black Tie White Noise” de 1993). O disco ao vivo Stage e a trilha sonora de Christiane F. ganharam edições digitais somente em 2001. A mesma coisa acontece na caixa “Por Enquanto” da Legião Urbana. É só uma dica.

Sangue e lágrimas em Berlim

Berlim, capital da Alemanha. Um lugar dividido por um muro, o famoso e infame Muro de Berlim. Esse muro, erguido em 1961 e demolido em 1989 dividia a cidade de Berlim (que ficava na Alemanha Oriental, consulte um livro de História) em duas partes: Berlim Ocidental (capitalista) e Berlim Oriental (socialista). Ninguém podia pular o muro (o povo queria fugir da influência socialista). Diferente desses muros de escola que dá para se pular, o Muro era uma construção fortemente protegida: apesar de ser baixinho (tinha somente 3 metros de altura), tinha grande extensão (45 quilômetros), muito arame farpado, minas explosivas e havia diversas guaritas com guardas armados com metralhadoras, prontos para metralhar quem ousasse pular o Muro. Muitos que tentaram fugir foram metralhados ou morreram por causa das minas terrestres.

Já que Angela o perseguia, David Bowie chamou Iggy Pop e foi morar na área de influência britânica em Berlim. Primeiro, o cara foi morar no hotel Gehrus. Depois se mandou para um apartamento térreo na Haupstrasse 155, em Schöneberg. Para alguém que ficou em muitos hotéis de luxo, não poderia haver algo pior, um verdadeiro muquifo: o local tinha três quartos, uma cozinha pequena, cortinas pesadas e paredes que deixavam a água entrar em dias de chuva. Mas até que o David gostava: lá em Berlim ele poderia ser ninguém além de David Jones, alguém que ele não era há pelo menos dez anos. Ele passeava sem pressa pelas ruas de Berlim. Somente Corinne “Coco” Schwab (sua assistente e braço-direito) e o próprio Iggy Pop faziam parte do seu círculo pessoal.

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Mas no começo o couro comeu para o seu lado: seus problemas pareciam somente ter mudado de lugar. David era visto constantemente bêbado e vomitava nos becos. Sem contar que constantemente se escondia dentro de um banheiro, longe das vistas de Iggy (que queria se livrar do vício em metadona) e de Corinne para cheirar carreiras de cocaína. Não parecia em nada com um dos maiores astros dos anos 1970, e sim com uma criatura carente que não conseguia dar conta de seus problemas. E “seus problemas” tinham nome: Angela Bowie, cocaína, alcoolismo.

Enquanto essa doidice rolava na vida do David Bowie, uma outra coisa acontecia na mesma Berlim (e do mesmo lado do Muro): Babystrich (prostituição de menores). Já sabem, Christiane F. e as crianças da Bahnhof Zoo. David Bowie teve contato com a triste história da menina que usava heroína e se prostituía para poder pagar sua próxima picada: em “Heroes”, o segundo disco da Trilogia de Berlim tem uma música chamada “Neuköln”, que é o nome da área de Berlim que fica localizado o Conjunto Gropius, onde Christiane morou durante um tempo. E ele se transformou em um personagem do livro “Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída…”. Um personagem que faz um show e depois dele uma de suas fãs vai se baratinar com heroína. Legal, virar um personagem de livro… Utilizei nessa colagem o cartaz americano do filme (a foto do meio) e as capas (e contracapas) da edição alemã e britânica da trilha sonora do filme. Vou colocar como capa do meu Facebook…

"Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída"

Mas voltando ao David… Vou falar dos três discos e se der espaço, da trilha sonora de “Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída…”. No mesmo esquema do post nº4 de “Nos Tempos da Purpurina”: títulos coloridos nas cores de cada disco. Tem uma curiosidade na lista das músicas: as que tiverem marcadas com # não entraram nas edições originais, só nos relançamentos. E os discos estão no meu Skydrive, curta, compartilhe e dê seu feedback. A Trilogia que eu escuto é a versão da RYKO inglesa, que vem com algumas faixinhas de bônus.

Waiting for the gift of sound and vision: Low

Low

O primeiro disco do que seria a Trilogia de Berlim foi lançado no comecinho de 1977, uma semana depois do aniversário de 30 anos de Bowie (ele é de Capricórnio, nasceu em 8 de janeiro). “Low” tinha a influência do Kautrock (ou rock industrial) de grupos alemães como Neu! e Kraftwerk que já haviam influenciado “Station to Station”. A capa, tirada de um dos cartazes do filme “O Homem que Caiu na Terra” era um pouco provocativa. O disco surpreendeu todo mundo: a imprensa, os fãs e até a própria gravadora.

Mas a maior provocação não tá na capa e sim dentro do disco: seis das onze faixas são instrumentais. “Low” estava programado para ser lançado no Natal de 1976, mas a gravadora RCA não achava que esse disco seria uma boa opção de presente, de tão bizarro que era. E as letras das músicas (quando tinham letras) eram curtas, discretas, reflexivas. E agora, uma citação de Tony Visconti, co-produtor de Low sobre o clima nas gravações do disco:

“David passava por um período de grande depressão. A gravação de The Idiot, em Paris foi um caos e quase um milagre ter sido finalizada, pois ele estava absolutamente sem condições psicológicas e Low acabou sendo uma continuação do processo.”

Traduzindo: o David não estava legal. E o disco é um tanto esquisito. A voz do Bowie soa um tanto mecânica (principalmente em “Sound And Vision”, “Breaking Glass” e “What in the World”, costumo dizer que parece a voz de vidro quebrando).

Então a crítica caiu em cima do disco com gosto de gás (com gosto de gás quer dizer com vontade). Motivo: o disco se aproximava do que mais tarde se convencionou a chamar de punk e a crítica queria de volta o Bowie elegante de “Young Americans” e “Station to Station”. Agora, a lista das faixas da edição em CD da RYKO (que é a que eu tenho no computador). Para o LP: depois de “A New Career in a New Town”, começa o lado B. Mas como eu pus na edição em CD…

1. “Speed of Life” – 2:46

2. “Breaking Glass” (Bowie, Dennis Davis, George Murray) – 1:52

3. “What in the World” – 2:23

4. “Sound and Vision” – 3:05

5. “Always Crashing in the Same Car” – 3:33

6. “Be My Wife” – 2:58

7. “A New Career in a New Town” – 2:53

8. “Warszawa” (Bowie, Brian Eno) – 6:23

9. “Art Decade” – 3:46

10. “Weeping Wall” – 3:28

11. “Subterraneans” – 5:39

Faixas-bônus (RYKO, 1991):

12. “Some Are” [#] – 3:16

13. “All Saints” [#] – 3:38

14. “Sound And Vision” [Remixed Version 1991] – 4:42

A versão do disco que eu estou ouvindo é a de 1991, da RYKODISC, com três faixas-bônus. Eu gostei de “Speed of Life”, “Breaking Glass”, “What in the World”, “Sound and Vision” (que tem uma letra miúda e meio doida, mas que ainda assim é legal) “Always Crashing In The Same Car”, “Be my Wife” (na qual o Bowie praticamente suplica: seja minha esposa), “A New Career In A New Town” (que dá nome a esse post), “Warszawa” (o nome em inglês da capital da Polônia, Varsóvia, mas a música está em italiano) e o remix de “Sound And Vision” da versão do disco de 1991. Muito legal, recomento. Juro que não vai tombar festa nenhuma!

Curiosidade: a banda Joy Divison (que mais tarde virou New Order) deveria se chamar “Warszawa” (por causa da música). Mas já tinha outra Warszawa na área. Mais outra curiosidade: é o terceiro disco de estúdio mais vendido na loja de música iTunes (perde para “The Next Day” e “Let’s Dance”).

Neste ano a faixa “Sound And Vision” ganhou uma nova mixagem, feita a partir da gravação original de 1976. Virou um single. O resultado ficou excelente. O link para o vídeo está na capa do single, abaixo.

Sound And Vision 2013

Dann sind wir Helden Für diesen Tag: “Heroes”

_Heroes_

O segundo disco da Trilogia de Berlim (e um dos mais importantes de toda a história do rock) é “Heroes”. Também muito influenciado pelo Kautrock, é o único disco da Trilogia a receber a denominação “Berlin” (por ter sido o único a ter sido gravado integralmente na capital alemã). John Lennon queria que “Double Fantasy”, que foi seu último disco gravado em vida fosse tão bom quanto “Heroes”. Que responsa, hein David?

As fotos abaixo são da sessão para a capa e o encarte do disco. Fotos por Masayoshi Sukita.heroes3heroes2heroes - Cópia

Inclusive a capa de “Heroes” foi ligeiramente alterada e virou a capa de “The Next Day”, o disco que David Bowie gravou depois de dez anos sem lançar nada inédito. E É DESSE ANO DE NOSSO SENHOR DE 2013! Meus amigos reclamam que eu praticamente parei no tempo por ouvir David Bowie, mas David Bowie ainda é atual (tá até na novela das 9, é “The Stars (Are Out Tonight)” porque as estrelas não dormem, nem as mortas nem as vivas)! Apesar de eu não ter gostado muito (a capa de “Heroes” é linda demais!) eu entendi a mensagem da capa. David Bowie está revisitando David Bowie. Nota 7,5. Só o tempo dirá se acertei na nota ou não. Vou dizer as faixas que eu curti: “The Next Day”, “The Stars (Are Out Tonight) ”, “Valentine’s Day ”, “If You Can See Me”, “Dancing Out In Space” e “(You Will) Set The World On Fire”. Já que a crítica é da Trilogia de Berlim não vou entrar em detalhes em “The Next Day”. Mas esse disco tem muitos momentos com o clima frio e triste de Berlim. #TND fica para outro dia. Sem contar a edição “The Next Day Extra” com o disco, mais 7 faixas de bônus e um DVD com os clipes de divulgação do disco. Na capa da edição Extra tem um link para o vídeo de “Love Is Lost”, um clipe que custou a bagatela de 30 reais.

The Next DayThe Next Day Extra

Talvez “Heroes”, ao lado de “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”, seja o trabalho mais influente do David Bowie. As camadas de som, que foram muito exploradas no disco anterior são exploradas ao extremo aqui, em “Heroes”. É um disco interessante de se ouvir. A maioria das músicas são animadas com esperança, exceto “Sense of Doubt” e a tal “Neuköln” (que é depressiva). Com a voz de David às vezes soterrada por camadas de sons, às vezes sintetizada (como em “Beauty And The Beast” e “Blackout”) e às vezes com uma força assustadora, como que emergindo das sombras (vide “Heroes”, o single do disco e “Sons of Silence Age”) e às vezes sem voz (esse disco tem quatro instrumentais). Lista de músicas abaixo (a do CD). No LP: depois de “Blackout” começa o lado B:

1. “Beauty and the Beast” – 3:32

2. “Joe the Lion” – 3:05

3. “‘Heroes'” (Bowie, Brian Eno) – 6:07

4. “Sons of the Silent Age” – 3:15

5. “Blackout” – 3:50

6. “V-2 Schneider” – 3:10

7. “Sense of Doubt” – 3:57

8. “Moss Garden” (Bowie, Eno) – 5:03

9. “Neuköln” (Bowie, Eno) – 4:34

10. “The Secret Life of Arabia” (Bowie, Eno, Carlos Alomar) – 3:46

Faixas-bônus (RYKO, 1991):

11. “Abdulmajid” (Previously Unissued Track – Recorded 1976 – 1979) [#] – 3:36

12. “Joe The Lion” (Remixed Version – 1991) – 3:09

Sobre a faixa-título: foi inspirada num fato real. David Bowie, quando ia para o Estúdio Hansa para gravar (o estúdio é perto de um trecho do que sobrou do Muro de Berlim) viu uma cena que lhe chamou a atenção. Um rapaz estava no Muro falando com uma garota que estava do outro lado. Passou de novo e viu a mesma cena e assim durante vários dias. Então, resolveu fazer uma letra e Brian Eno fez a melodia. A letra, apesar de melancólica e cheia de metáforas, transmite esperança. Não só de que os amantes do Muro se unam pelo menos uma vez, mas de que a Guerra Fria acabe, o Muro caia e que haja liberdade. Podemos ser heróis, mesmo que por um dia.

Bowie ficou chocado quando, andando a pé pelos arredores do estúdio Hansa, viu seu nome entre duas suásticas. Ele queria mostrar que “Heroes” era uma homenagem a uma Alemanha dividida e destroçada pela Segunda Guerra.

Como “Low”, a versão de “Heroes” é a de 1991, com duas faixas de bônus. As minhas favoritas são “Beauty and the Beast” (animada até o tutano dos ossos), “Joe the Lion” (apesar de ser animada, trasmite melancolia), “Heroes” (a versão completa é demais, arranca lágrimas), “Blackout” (gostei, apesar de não ter conseguido acompanhar a música), “V-2 Schneider” (praticamente um instrumental, a única frase é o nome da música), “Neuköln” (um instrumental climático), “The Secret Life Of Arabia” (apesar de ter uma letra mais indecifrável que a de “Hang on to Yourself”) e o remix de “Joe the Lion”. Essa também não tomba festa!

Curiosidade: Bowie regravou “Heroes” em alemão (Helden) e em francês (Les Heros). A regravação em alemão está no lado B do single “Heroes” que foi lançado na Alemanha Ocidental. É mais famosa a versão em alemão por causa de “Christiane F.: Wir Kinder vom Bahnhof Zoo” (está numa das cenas mais legais do filme quando a turma do Sound faz um assalto no Europacenter, um shopping de Berlim). “Heroes/Helden” está na trilha sonora de “Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída…” e a versão em alemão está no disco “Bowie Rare”, de 1982. Ainda sobre “Heroes”: David Guetta remixou a faix-título com o nome de “Just for One Day (Heroes)”. Apesar de ficar somente repetindo a frase “We can be Heroes, just for one day”, é uma versão que merece ser conferida. Aparece na coletânea “F**ck Me, I’m Famous”, de 2002 e na versão em DVD da coletânea “Best of Bowie”, também de 2002. Se não aguenta esperar, a versão remixada está nesse link e na capinha abaixo, do single.

Just for One Day (Heroes)

DB on Stage

Stage (Live) [Remastered]

O nosso querido David Bowie se meteu na estrada junto com sua banda com a Isolar II ou Low and “Heroes” Tour. O clima no David era bem melhor: segundo Natasha Korniloff (figurinista e grande amiga de Bowie desde a época de “Pierrot in Turquoise”, de 1967), ela encontrou um David saudável, em excelente forma e com ideias gigantescas (e bem mais feliz, vide as fotos abaixo). A turnê Isolar II foi a grande volta para o David Bowie. Depois de uma turnê praticamente em preto e branco e com luz branquela (a Isolar I), a Low and “Heroes” Tour é bem colorida. O palco tinha tubos de neon. Um clima bem solar em relação a Isolar I.

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A gravadora pressionou o David para que gravasse um disco ao vivo como uma espécie de tapa-buraco. Na Filadélfia, onde foi gravado “David Live” (de 1974).

O disco foi gravado exatamente na ordem inversa, já que ele e Visconti começaram a mexer primeiro nas músicas velhas para depois chegar às recentes, que foi corrigido nas versões posteriores do disco.

Como o disco foi feito para cumprir o contrato com a gravadora, David não deu muita bola a ele, apesar de ser extremamente bem gravado e com grandes versões de “Heroes” e “Station to Station” (que entrou na trilha sonora de Christiane F.). A ordem do disco em CD:

Disco 1:
1. “Warszawa” – 6:47
2. “Heroes” – 6:11
3. “What in the World” – 4:17
4. “Be My Wife” [#]– 2:36
5. “Blackout” – 3:53
6. “Sense of Doubt” – 3:07
7. “Speed of Life” – 2:40
8. “Breaking Glass” – 3:22
9. “Beauty and the Beast” – 5:01
10. “Fame” – 4:03
Disco 2:
1. “Five Years” – 3:58
2. “Soul Love” – 2:55
3. “Star” – 2:26
4. “Hang on to Yourself” – 3:22
5. “Ziggy Stardust” – 3:28
6. “Art Decade” – 3:01
7. “Alabama Song” [Aufstieg Und Fall Der Stadt Mahagonny] – 3:56
8. “Station to Station” – 8:41
9. “Stay” – 7:18
10. “TVC 15” – 4:33

Look Back in Anger: Lodger

Lodger [Bonus Tracks]

David voltou a morar em Nova York em 1979. Depois de seu segundo filme que havia sido gravado em Berlim (Apenas um Gigolô, 1979) ele voltou para os EUA. Limpo, mais saudável e com a guarda do filho, Joey (David mudou o nome do filho depois que conseguiu a guarda, de Zowie para Joey). E para comemorar, gravou um disco com Brian Eno. Em time que está ganhando não se mexe! A lista das músicas se segue. Para o LP: o lado B se inicia depois de “Red Sails”:

1. “Fantastic Voyage” – 2:55

2. “African Night Flight” – 2:54

3. “Move On” (Bowie) – 3:16

4. “Yassassin (Turkish for Long Live)” (Bowie) – 4:10

5. “Red Sails” – 3:43

6. “DJ” (Bowie, Eno, Carlos Alomar) – 3:59

7. “Look Back in Anger” – 3:08

8. “Boys Keep Swinging” – 3:17

9. “Repetition” (Bowie) – 2:59

10. “Red Money” (Bowie, Alomar) – 4:17

Faixas-bônus (RYKO, 1991):

11. “I Pray Olé” [#] [Ryko Edition Only] – 3:56

12. “Look Back in Anger [New Version Recorded 1988]” – 6:58

A capa de “Lodger” é particularmente chocante: David está caído num banheiro, com uma coisa semelhante a uma seringa espetada em um dos seus braços (é uma seringa mesmo, ela faz sombra) e com uma cara de morto. Ao ver essa capa me lembrei de uma frase que apareceu no livro da Christiane F.: “Os drogados morrem sós. Mais frequentemente em banheiros fedorentos.”. Minha interpretação dessa capa: faz referência aos jovens viciados em heroína que morreram de overdose em banheiros em Berlim, ou aos que morrem sós sem amparo. A foto completa é uma espécie de cartão-postal com a palavra Lodger em inglês, francês, alemão e japonês (Lodger quer dizer inquilino). Tem até lugar para pôr o selo. Um cartão-postal desses eu não dispensava.1979 - Lodger - Front 2

Apesar de ser um disco mais pop em relação aos anteriores, não perde a veia experimental. Achei genial. Pegou todas as referências que Bowie teve durante os três anos de Berlim: viagens fantásticas por lugares fantásticos.

Do mesmo jeito que os discos anteriores, estou ouvindo a edição da RYKODISC, de 1991, que só tem duas faixas a mais em relação ao original. Eu gostei de “Fantastic Voyage” (é uma viagem, no bom sentido), “African Night Flight” (a pessoa se sente no meio de uma savana), “DJ” (o clipe é doido, o David detona um estúdio de gravação), “Look Back in Anger” (uma amiga minha sempre acha que essa é do Oasis), “Boys Keep Swinging”, (rebolante e que fala de disparidades de gêneros) e a versão de 1988 de “Look Back in Anger” (não tomba festa!).

Bending sound: Christiane F.: Wir Kinder vom Bahnhof Zoo (Soundtrack from the Motion Picture)

Christiane F._ Wir Kinder vom Bahnhof Zoo (Soundtrack from

E não é que deu espaço para caber a soundtrack de “Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída”? Muita gente acha essa trilha sonora um dos melhores discos do David Bowie, apesar de ser uma compilação. Motivo: a escolha das músicas que integram esse disco combina com os momentos do filme. Músicas abaixo:

1. “V-2 Schneider” (de “Heroes”, 1977) – 3:12
2. “TVC 15” (Single Version de “Station to Station”, 1976) – 3:35
3. “Heroes/Helden” (de “Heroes, 1977) – 6:08
4. “Boys Keep Swinging” (de “Lodger”, 1979) – 3:18
5. “Sense of Doubt” (de “Heroes”, 1977) – 4:01
6. “Station to Station” (de “Station to Station”, 1976 mas versão tirada do disco “Stage”, 1978) – 8:49
7. “Look Back In Anger” [US Single Version] (de “Lodger”, 1979) – 3:08
9 “Stay” [US Single Version] (de “Station to Station”, 1976) – 3:23
10. “Warszawa” (de “Low”, 1977) – 6:16

Revisitando a história de Christiane e que diabos ela tem a ver com o David Bowie (se você digitar no Google Christiane F. vai encontrar como um dos resultados de pesquisa David Bowie): em 1976, durante um show da Isolar I (turnê do disco “Station to Station”) a jovem alemã Christiane F. cheirou heroína pela primeira vez e começou aí sua dramática experiência no submundo do vício. Perdeu a confiança da mãe, do pai, e alguns amigos para a heroína. Christiane começou a vender seu corpo e sua dignidade por cerca de quarenta marcos na Estação Zoo de Berlim. Como eu disse lá em cima,  David Bowie teve contato com essa história no período em que morou em Berlim (1977 a 1979, “Wir Kinder vom Bahnhof Zoo” saiu em 1979 e foi traduzido primeiro para o inglês). E provavelmente enquanto passeava pela capital alemã ele deve ter visto a menina drogada e prostituída aos 13 anos, que era sua fã. (Antes que eu esqueça: é o David Bowie mesmo que aparece no filme e a sua banda de verdade na época do início dos anos 1980!). Essas fotos aparecem no filme (não estão na ordem, desculpa) e se quiser ver a parte do show no filme clique nesse link. tumblr_moyf60jMUY1s8jasmo2_1280tumblr_mj8dbgd0OZ1r425d9o1_500tumblr_moyf60jMUY1s8jasmo1_500Christiane-F-2tumblr_lzsbciC7lv1qflt1lo1_r1_400M8DCHFF EC001cristiana_f_noi_i_ragazzi_dello_zoo_di_berlino_nadja_brunkhorst_ulrich_edel_009_jpg_xpnu2014_cbc5_960

David Bowie (como ele mesmo) e Natja Brunckhost (como Christiane F.): os anjos do pó, 1980. David Bowie aceitou de bom grado fazer ele mesmo no cinema. Inclusive é creditado no filme como ator e autor da trilha sonora. Como David não podia sair de NY (pois estava numa peça da Broadway, “O Homem Elefante”), a equipe alemã do filme Christiane F. teve que levar uma pequena parte do elenco para os EUA, e gravar as tomadas do que seriam o show lá. O show (que não era de verdade) foi gravado com um playback de “Station to Station” (tirado do disco “Stage”, de 1978), mas parece que o David cantou de verdade e sua banda tocou de verdade. Os críticos dizem que é a melhor OST (Original Sound Track) feita por David Bowie, pois as músicas combinam com os momentos do filme: animada na Sound, triste quando Christiane tenta se matar com uma superdose. Melhor que “Labyrinth” (1986) (que não foi feita somente por Bowie) e “Budda of Subburbia” (1993) (que apesar de ter canções feitas especialmente para essa série da BBC, não ficou muito criativo o resultado).

As faixas desse disco foram tiradas dos discos “Station to Station”, “Low”, “Heroes” e “Lodger”. O disco tem os momentos que lembram a discoteca Sound (“a mais moderna da Europa”) ao som de “V-2 Schneider” (“Heroes”), da versão do single de “TVC 15” (Station to Station), a versão de single de “Look Back in Anger” (Lodger), “Boys Keep Swinging” (Lodger) e a versão de single de “Stay” (Station to Station). Mas os momentos mais tristes da trajetória de Christiane também tem trilha sonora, com “Sense of Doubt” (“Heroes”) e “Warszawa” (“Low”). Os picos desse disco são a versão bilíngue de “Heroes” (com o lado B do single na Alemanha Ocidental, uma versão em alemão de “Heroes”, “Helden”) e a versão ao vivo de “Station to Station” (de “Stage”), que inclusive é citada no livro.

“Quando David Bowie começou, foi sensacional. Exatamente do jeito que imaginei. Fantástico. Mas nos primeiros acordes de ‘It’s too late’ (uma parte de Station to Station) me inquietei. Aí fiquei, de repente, na pior. Já nas últimas semanas — sem saber como, nem por quê — esta música me dava uma imensa tristeza. Acho que ela descrevia exatamente a minha situação. Bem que eu estava precisando de Valium…”

No filme algumas músicas foram ligeiramente alteradas, subiram meio tom para dar um clima de discoteca mesmo. Já no disco ficaram do jeito que foram gravadas originalmente. Sem contar que teve uma faixa que não entrou na trilha sonora: “Neuköln”, de “Heroes”, bem emendada com “Sense of Doubt”.

Influência da Trilogia de Berlim

A influência da Trilogia de Berlim é enorme. A trilogia berlinense causou efeitos em todas as gerações seguintes de músicos que escutaram estes discos, e até hoje se mostra relevante. Seja tirando experiências da própria vida que Bowie levava na época (a luta contra as drogas e a canalização do vício para uma produção criativa – crises tão comuns e viscerais) ou como influência sonora (sua esperta mistura de gêneros e sua vontade de brincar com o experimentalismo),Low, “Heroes” e Lodger formam uma verdadeira trinca de ouro da música moderna que continuará inspirando músicos e artistas por muito tempo.

“Sem o disco Low, nós não teríamos o Joy Division, o Human League, o Cabaret Voltaire e muito menos o Arcade Fire. A lenda ainda vive”, como disse um crítico do site Pitchfork Media. É muita coisa.

“Heroes”, é considerado pelo próprio DB como um de seus melhores discos. Não é um dos melhores, é o melhor. Toda vez que escuto a faixa-título me arrancam lágrimas. Até o John Lennon achou esse disco demais!

Apesar de Lodger não ter feito tanto sucesso quanto os seus antecessores, é um disco interessante e divertido (apesar da capa chocante). É pop e cult ao mesmo tempo. É um dos pilares da música pop.

O compositor erudito Philip Glass fez uma adaptação para a música clássica dos dois primeiros discos da Trilogia: a Symphony nº1 ou Low Symphony e a Symphony nº4 ou ‘“Heroes” Symphony. Eu gostei, mesmo não sendo muito fã de música clássica. Esses dois discos e o “Symphonic Music of the Rolling Stones” me aproximaram um pouco mais da música clássica. Se não tiver paciência para ouvir as duas sinfonias completas (vou avisando que a Low Symphony tem apenas 3 faixas, mas elas tem mais de 15 minutos cada), indico “All Saints”, uma coletânea de instrumentais que tem parte da sinfonia de Low e de “Heroes”.

Philip Glass_ _Low_ Symphony (From the Music of David BowiePhilip Glass_ _Heroes_ Symphony (From the Music of David Bo

Aqui é Berlim

A trilogia de Berlim, não tenho palavras para descrever o quanto esses discos mudaram a música.

O Caboclo que Caiu na Terra ou Somos todos Estrangeiros

Kids queridos, depois de um looooooooooooongo exílio, eu voltei. Usando a fonte Segoe Print, minha favorita quando escrevo sobre David Bowie vou falar do filme “O Homem que Caiu na Terra”. Vi durante as férias. Minhas maninhas viram mais vezes que eu. Uma das cenas do filme foi fotografada e virou a capa de “Station to Station” (1976). E não para por aí. Inclusive o primeiro pôster virou a capa do disco “Low” (1977). Quando eu for falar da Trilogia de Berlim vocês vão saber que diacho é isso.

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Cartazes do filme “O Homem que Caiu na Terra”, de 1976. O tipo de letra usado no nome “The Man Who Fell to Earth”, você já deve ter visto em alguma camiseta do Iron Maiden.

Antes de tudo, vamos às informações sobre esse filme:

Título: O Homem Que Caiu na Terra (The Man Who Fell to Earth)

Diretor: Nicolas Roeg

Roteiro: Paul Maysberg, baseado no romance de Walter Tevis

Elenco: David Bowie, Rip Torn, Candy Clark, Buck Henry

Produção: British Lion Film Corporation, Cinema 5

Distribuição: The Criterion Collection

Ano: 1976

País: Reino Unido

Duração: 125 minutos (aproximadamente)

Censura (no Brasil): 18 anos (Nudez e cenas de sexo explícito)

O filme é muito sério (o Bowie não dá nem um sorrisinho durante todo o filme). Eu fiz uns comentários engraçados nas caixinhas só para quebrar o gelo. Eu gostei do filme, aborda a temática da solidão e do “ser estrangeiro”: se sentir perdido em uma terra que não é a sua. Quem nunca se sentiu um estranho, mesmo no meio em que vive? Thomas Jerome Newton, o protagonista dessa história, se sente perdido e atordoado na Terra. Mesmo que tente voltar ao seu planeta natal, se sentirá preso à Terra. Mas ele jamais voltará ao lugar de onde veio.

Diferentemente da maioria dos alienígenas do cinema Tommy é um ser frágil, passivo e indefeso. E diferentemente de Ziggy Stardust, outra figura alienígena que foi encarnada por Bowie nos anos 1970, aparentemente não tem a carga sexual excessiva (aparentemente, mas depois tem cenas de sexo que fariam Ziggy corar seu rosto branco). Tommy é dotado de uma pureza e de uma ingenuidade que dão até dó. Seus valores não se ajustam aos dos humanos com os quais convive. A sua companheira humana Mary-Lou o encaminha no vício: a televisão e o gim (uma bebida alcoólica fortíssima e altamente viciante) e acaba se tornando a perdição de Tommy. Por causa de Mary-Lou Tommy ‘se esqueceu’ da esposa e dos dois filhos que estão o esperando. A vida de humano o seduziu.

O filme, baseado num romance de ficção científica de Walter Tevis, conta a história de um alienígena humanoide que veio para a Terra em missão de paz (levar água ao seu planeta natal): usando o nome Thomas Jerome Newton e um passaporte inglês, aparece de repente numa cidade no meio do nada chamada Haneyville e vende um punhado de anéis para poder ir para Nova York. TMWFTE-1

Aquele lá em cima sou eu!

Thomas (ou Tommy) fisicamente se parece com um ser humano normal de vinte e poucos anos (exceto pela parte de que esse “ser humano normal” é o David Bowie). Apesar de seu jeito meio estranho, o homem que caiu na Terra parece ser normal. Sua única mania: beber água. De qualquer canto: se derem água de esgoto, o Tommy bebe e com gosto. Mesmo.

Poor Tommy has such a hard time with our gravity. Lying atop him would be a very bad idea.

Olha a água mineral. Você vai ficar legal!

Quando consegue uma grana se manda para Nova York. Entrega seu tesouro (uma pasta cheia de papeis) para o advogado de patentes Oliver Farnsworth e ainda lhe promete 5% da empresa e 10 % dos lucros. As nove patentes básicas eram revolucionárias e fariam as grandes corporações se tornarem obsoletas (para os anos 1970, hoje em dia seriam café pequeno). E com essas patentes, Newton monta seu conglomerado, a World Enterprises. Que lhe rende uma grana preta, 300 milhões em apenas três anos, só isso. Tá bom pra você?An alien in a fedora

Thomas Jerome Newton: O homem à base de água…

E começa The Rise and Fall de Ziggy…ops, de Tommy. O nosso alienígena bonzinho comanda seus negócios de dentro de uma limusine (que tem uma antena e um telefone!). Quando estava vendo essa parte, me lembrei de uma música do Iggy Pop, “The Passenger” (que tem uma versão em português chamada “O Passageiro”, do Capital Inicial), “I am the passenger/And I ride and I ride” (a tradução ficou assim: “Eu sou o passageiro/Eu rodo sem parar”).

O Tommy fica rodando feito um doido no banco de trás da sua limusine (ele tem um motorista!) por paisagens desérticas e bebendo muitos copos de água do frigobar (daí a a legenda: o homem à base de água). E comandando seus negócios por telefone.

Nesse meio tempo, aparece Nathan Bryce, um professor de química divorciado que gosta de transar com as suas alunas. E que quer trabalhar na World Enterprises, pois se sente insatisfeito com o emprego na universidade em que dá aulas e com o seu chefe, Canutti.

Um lindo dia, o Tommy fica entediado de ficar só rodando e resolve ir para um hotel. Com o nome de Mr. Sussex vai para um quarto. Mas o cara passa mal no elevador (passa mal é eufemismo, o cara parece que tá morto).

HNNGGOh babe

Ai, meu Deus, o cara morreu! Chama o rabecão!

É atendido por uma garçonete mega ultra carente chamada Mary-Lou. A mulher é viciada em televisão e gim (teor alcoólico de 43%, tá bom pra você?). Os dois ficam conversando como se não houvesse amanhã.

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Como dívida de gratidão, Tommy chama Mary-Lou pra ir rodar com ele. Mas Tommy já é casado e pai de família lá no planeta dele. A sua missão é levar água pra sua família, os únicos sobreviventes naquele planeta árido. E aos poucos, Thomas Jerome Newton começa a esquecer do que veio fazer na Terra.

Mary-Lou leva o Tommy para a igreja. Eu achei essa cena muito boa, porque pessoas normais pensam que em filme que apareça um cantor, ele tem a obrigação de dar um show, se tiver que cantar. Nesse filme, não. O David nessa cena canta mal porque ele não é o David, em cena é o Tommy. E o Tommy não é o David Bowie, o cantor que surpreende até menininhas do século XXI como eu.TMWFTE-4

Passa um tempo. Tommy e Mary-Lou vivem um romance terno e quase sem-graça, quase uma obrigação contratual. Mas que pega fogo debaixo dos lençóis. Pega fogo mesmo.

Umas das cenas mais legais do filme (e que tem um pouco de putaria), é o Tommy dando uma desculpa para Mary-Lou: não sabe como se secar (provavelmente porque nunca tomou banho na vida). E a mulher, paciente, ajuda o seu parceiro de outro mundo a se secar. A cena no qual os dois estão no seu ninho de amor, intercalada com uma cena em que Tommy dá de presente a Mary um telescópio, é uma das mais fodonas de todo o filme. O diretor Nic Roeg conseguiu tirar poesia de uma cena de sexo…

Tem outra cena proibida para menores que eu gosto. Mas vou contar mais na frente. the man who fell to earth

Em outro filme em que o David atua tem um fenômeno parecido. O diretor de “Fome de Viver” Tony Scott fez uma coisa semelhante (tirar poesia de uma cena de putaria): numa cena em que Miriam Braylock (Catherine Deneuve) e John Braylock (David Bowie) estão tomando banho (juntos) depois de uma caçada (os dois foram para uma boate que tava tocando Bauhaus, o casal seduz dois incautos, os matam e se alimentam do sangue deles. Simples, não?). Obviamente os dois são vampiros e estão juntos há cerca de 300 anos (e nunca tiveram uma DR, incrível). John diz a Miriam “Para sempre?”, ela responde “O quê?”, ele continua “Para todo o sempre” e os dois se beijam. Detalhe: os dois estão pelados, debaixo de um chuveiro e estão juntos de uma maneira tal que não sabemos onde começa Miriam e termina John. Para mim é o símbolo de um amor que deveria durar para sempre, até que o John começa a ficar velho de uma hora para outra…e não vou estragar a surpresa. Assista.

Mas voltando ao Tommy e a Mary-Lou: os dois vão morar juntos em uma linda casinha com uma temática japonesa perto de onde Tommy caiu. Parece um casamento normal. Mas nada que tenha o dedo do David Bowie é normal.

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Inclusive uma das fotos do filme virou uma montagem, que está na exposição “David Bowie is…”. Quando essa exposição vier ao Brasil você pode conferir de pertinho.

Fica com vergonha, não.

Depois de algumas ceninhas de sexo entre Tommy e Mary-Lou, o “casamento” começa a desandar: o alienígena bonzinho começa a ver muita televisão a ponto de não conseguir sair da frente do mural de televisões. Vicia mesmo. E não liga mais para a sua querida Mary-Lou. Só pras suas tvs e pro seu gim (Anotaçãoele aprendeu a beber…). Uns dizem que a cena em que Tommy aparece em frente às suas tvs e quase pira inspirou uma das músicas de “Station to Station”: TVC 15.

Mulher, sai do meio. Tá passando um monte de coisas e eu quero ver todas!

Mas isso não é o pior: Mary-Lou quer ir pro banheiro. Tommy tá lá dentro há muito tempo. Cansado de ser David Bowie, Tommy resolveu despir-se da pele do Camaleão e foi ser ele mesmo. Despiu-se mesmo.

Mary força a porta do banheiro e a abre. E se espanta: Tommy não é desse planeta!

Mas depois o casal tem uma DR. Tommy não explica o que é de verdade (na lata), mas dá pistas. E tem que voltar a vestir a pele do Camaleão, porque sendo o que é de verdade tem atratividade zero para Mary-Lou. Nível de sex-appeal negativo.

Mas o couro começa a comer para o casal Tommy e Mary-Lou. A cena mais bizarra é a retratada nas fotos abaixo. Tommy, puto com a sua companheira humana, taca a mão na travessa de biscoitos que ela está carregando. Diz que quer se separar e promete a Mary uma grana preta, mas ela não aceita (os dois vivem em comunhão de bens, quase um casamento).the man who fell to earth7

Querida, precisamos conversar. Sabe, eu vim de outro planeta e você descobriu o meu segredo. Que tal terminarmos com isso e cada um seguir a sua vida? Te deixo uma grana preta, um disco meu autografado e nos separamos.

Se em casa as coisas não iam lá muito bem, os negócios da World Enterprises estão indo muito bem, obrigado. Agora, no ramo aeroespacial. Thomas Jerome Newton constrói sua cápsula para levar água ao seu planetinha natal. E tenta partir para o seu lar, onde sua esposa e seus dois filhos estão o esperando.

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Nathan começa a ficar desconfiado de que Tommy não é que nem todo mundo. Passa um raio-X no dono da empresa em que trabalha e descobre que o cara não tem nenhum osso aparente. Mas o Tommy descobre a armação (além de manter o corpinho de David Bowie eternamente jovem, ele consegue ver raios-X, para ele é uma luz cegante) e abre o jogo. Seu segredo está ameaçado.

Ele tenta partir para seu planeta natal, mas é pego por uma armadilha armada pelo governo, Farnsworth é morto com o seu amante Trevor, a World Enterprises vai à falência e Mary-Lou se casa com Nathan Bryce. Tommy é levado a um hotel, no qual é mantido em cárcere privado e submetido a montes de experiências dolorosas. Do tipo: pegam um bisturi e enfiam nos mamilos para ver se sai sangue (só para constar: sai e não é azul)…

Abra a boca, Tommy.

Para fazer todos os exames teremos que te embebedar, sr. Newton. Quer um pouquinho mais de gim?

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Calma, gente. Eu mesmo tiro as minhas lentes.

Não faz isso, por favor! Vou ficar cego! Já basta um dos meus olhos ser quase cego! Vocês humanos são maus comigo!

Passa mais um tempo. Mary-Lou tá velha, casada e baranga e o Tommy já está há muito tempo em cárcere privado e sem pegar nada, nem mesmo resfriado. Com um pouco de fome e tédio, resolve ameaçar a sua mulherzinha humana com um revólver. Detalhe: ela tá só com uma banana e o Tommy tem nas mãos uma arma de fogo altamente letal. É interessante o discurso que Tommy dá para Mary-Lou: “Eu poderia te matar bem aqui nessa cama. E aí eles te levariam embora e me trariam outra garota”. Muito bonito, T.J.N. O que a falta de mulher não faz com o alien…the man who fell to earth3the man who fell to earth4the man who fell to earth5 Thomas-Jerome-Newton-the-man-who-fell-to-earth-19403735-496-330

Querida Mary-Lou, você vai morrer. Sabe, o nosso ‘casamento’ andou abalado depois que você descobriu o que sou de verdade. Não te amo mais do jeito que eu te amava há, sei lá quantos anos. Durma bem. T.J.N

Mas a porra da arma não atira?! E gera a outra cena de putaria que eu citei lá em cima, só que sem poesia (tem uma baita selvageria): os dois transam e ficam brincando com a arma. Detalhe: segundo Angie Bowie “[…] Seu orgulho pelo tamanho e potência de seu equipamento sexual é obviamente justificável (nesse caso, o orgulho é do David)” (Bowie, Angela; Patrick Carr. Backstage Passes – Life on the Wild Side With David Bowie. Nova York: Cooper Square Press, 2001). E na cena de Tommy brincando com o revólver mostra o tal “equipamento sexual” do David. Por isso se justifica a censura 18 anos.

Depois Tommy tenta presentear Mary-Lou com a única coisa que realmente pertencia a ele: um anel (um dos anéis que ele vende no começo do filme e com ele consegue uma grana preta). Mas ela reclama que o anel não serve e sai, em prantos.

Mas a putaria termina aí. Passa mais um tempo. Mary-Lou, mais velha e baranga do que nunca compra de presente de Natal uma garrafa de gim. E a aproveita ao lado de seu marido, que parece um cacareco.

Nathan vai para uma loja de discos. Eu notei que tinha um anúncio do disco “Young Americans” no alto. O Nathan presta atenção em um disco, cujo o nome é “The Visitor” (literalmente O Visitante). Vai atrás do Tommy e lhe pergunta porque gravou um disco. Tommy responde que provavelmente sua esposa irá ouvir pelo rádio (mesmo sabendo de antemão que ela e seus filhos estão mortos). E depois o filme acaba. Provavelmente Tommy passará o resto dos seus dias na Terra como um bêbado com o rosto do David Bowie.16The Man Who Fell

Depois do Homem que Caiu na Terra…

Depois do fim das gravações do filme o David chamou a sua banda e foi gravar “Station to Station”. As gravações duraram APENAS 10 dias, pois as músicas que iriam entrar na trilha sonora de “O Homem que Caiu na Terra” entraram nesse disco. As exceções são “Station to Station”, “Golden Years” (há uma disputa entre Angela Bowie e Ava Cherry pelo posto de ‘musa inspiradora’. Na introdução de “Backstage Passes” Angela conta que David cantou “Golden Years” pelo telefone para tentar reconquistá-la), e “Wild Is The Wind” (que, mais uma vez, é um cover). Pouco tempo depois do lançamento do filme, “Station to Station” foi lançado, em janeiro de 1976. As duas capas do disco remetem diretamente ao filme “O Homem que Caiu na Terra”.

Station To Station

Capa original, de 1976. Essa capa está na edição de luxo. Mais embaixo posto foto da edição completa.

Station to Station (1976)

Capa do relançamento, nesse caso de 1991. Infelizmente, só tem importado. A edição de luxo, lançada em 2010 tem um show na íntegra: o show no Nassau Coliseum em 1976.

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Esse é o meu papel de parede do computador.

Na opinião dos críticos é um dos discos mais acessíveis, mas ao mesmo tempo mais complicados da discografia de David Bowie. É acessível por causa das baladas românticas e pelo som (funk misturado com sons eletrônicos). É complicado pela enorme quantidade de referências: vão da cabala ao cristianismo, passando pelo ocultismo, pela filosofia de Nietzsche e o seu super-homem. Em “Station to Station” o David inaugura uma persona nova, a persona que tem mais a ver comigo: o nosso querido Duque Magro e Branco, The Thin White Duke. Olha uma das fotos do lançamento e uma das minhas favoritas do Bowie: censura 18 anos.

O Duke, ditador do inferno do rock (segundo um site), é a mais cruel e terrível persona artística do David Bowie (e por sinal, a sua última). É uma espécie de ‘evolução’ do Blue Eyed Soul Boy (Garoto Soul de olhos azuis, a persona de Young Americans, um Bowie americanizado que cantava soul e funk) com uma mistura com o personagem Thomas Jerome Newton, do filme “O Homem que Caiu Na Terra” (um ‘homem’ meio frio e que transava por prazer, puro e simples). The Duke incorporou o estilo de cantar e o estilo musical da persona anterior. E com isso, faria a América pagar os seus pecados. O Duke incorporaria o antigo Bowie e que seriam dramaticamente diferentes dos Bowies anteriores. Nas roupas, na voz, nos trejeitos, em tudo. Nas fotos de divulgação de #StationtoStation, Bowie aparecia de maneiras esquisitas. Como nessa foto da edição japonesa: a não ser que você não tenha reparado, o Bowie está vestido somente com uma jaqueta da RAF (Real Força Aérea) estendida sobre seus ombros, com as mãos algemadas cobrindo o seu sexo. Se alguém souber japonês, por favor traduza e mande nos comentários.

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O Duke é descrito por alguns biógrafos de Bowie como “um aristocrata louco”, “um zumbi amoral” e até de “super-homem ariano sem emoção” (aí já é demais), para Bowie não era nada além de “um personagem desagradável”. Alguns acham que é uma extensão do Thomas Jerome Newton do filme que numa parte grita pela sua querida Mary-Lou (sua amante). Muitos classificam “Station to Station” como um álbum de canções de amor e um disco de transição: do plastic soul para o Kautrock ou Kraft rock cheio de texturas e sons que ele faria na Trilogia de Berlim (vou falar desses discos, vou avisando!). Essa persona (Thin White Duke) se tornou uma espécie de apelido para o David Bowie. O nome original do disco “Station to Station” seria o primeiro verso da música homônima: “The return of the Thin White Duke”.

Mas depois de uma treta que o DB teve com a CIA…bom, essa história é pra mais tarde!

Dom do som e da visão

Eu não parei de escrever a história da Camilla, não! Nesse texto os pais de Camilla voltam, acompanhados da menina Rosie, tem uma briga feia entre Camilla e Sílvia.

“Uma semana depois, na velha casa da família Brandão era o aniversário de Camilla. Até os avós entraram no clima da comemoração. Seu José estava de senador romano e dona Fátima estava de bruxa. Os dois e a netinha fizeram a arrumação.

A menina demorou uma hora para trocar a sua roupa. O macacão não era muito complicado de se vestir. O problema seria o penteado. O penteado que ela tinha visto na Internet, chamado de Tempestade Solar, era muito complicado: era um rabo-de-cavalo em que as pontas do cabelo estavam completamente arrepiadas e levantadas. Parecia um Sol, só que ficaria em preto e roxo.

Com muito laquê e gel o penteado estava pronto. Camilla fez toda a Tempestade Solar sozinha. A menina ainda pôs uma nuvem de purpurina rosa nos longos cabelos pretos com mechas roxas. E ainda com muita maquiagem: em tons de azul, roxo, verde, rosa e branco. Ela sabia se maquiar. Parecia uma galáxia de poeira estelar.

— Sou a primeira astronauta do Universo a ir para o espaço com quilos de maquiagem no rosto, com um penteado esquisito e com quilos de purpurina nos cabelos. Inclusive meu cabelo tá pesando… Mas ele venceu a lei da gravidade, ainda bem! Espero que aguente até a hora dos “Parabéns”!

Camilla foi de astronauta. A roupa não incluía capacete, somente macacão. Seu longo cabelo cheio de mechas roxas estava amarrado de uma maneira que parecia que estava em uma tempestade. Uma tempestade em roxo e preto e com purpurina rosa.

Pouco a pouco a turma chegava. Primeiro veio Luciano com Natália. Luciano tinha se vestido de Renato Russo, com direito a roupa, óculos e barba. Natália foi vestida de pin-up, com um micro vestido floral.

— Feliz aniversário, Camilla! — disse Luciano, cumprimentando sua namorada com um demorado beijo. A barba estava pinicando no rosto de Camilla.

— Obrigada, amorzinho! — agradeceu Camilla, esfregando o rosto.

— Feliz aniversário, amiga! — disse Natália, dando um abraço. — Quebrei o meu cofrinho com as minhas economias para comprar o seu presente.

— Valeu! — agradeceu Camilla.

Mais tarde chegaram Levi e Angela. Vieram combinando: Levi foi de David Bowie e Angela foi de Angela Bowie. Pegaram a capa do livro que Milla emprestara a Angie e resolveram imitar. Os dois cumprimentaram a aniversariante.

— Feliz aniversário, Camilla! Muitos anos de vida! — disse Levi.

— É, Camilla! Você merece muitos anos de vida! — continuou Angela.

— Agora eu sei por que você não quis me devolver o livro. Para ficar na foto igual a tua xará, não? — disse Milla. — Toma cuidado, vai que ele te troca por um Mick Jagger….

As duas riram.

Depois chegou Anabela, com a mãe, dona Laura. A menina veio com uma roupa inspirada em Alice no País das Maravilhas. Até a bengala que usava estava no clima: toda colorida.

— Feliz aniversário, Camilla! Que Deus sempre guie seus passos! — disse Ana.

— Muitos anos de vida para você, Camilla! — disse dona Laura. — Trouxemos algo que você vai gostar!

— Obrigada, dona Laura.

Eram nove da noite. A casa estava cheia de gente.

Começou a festa. Como a aniversariante adorava rock clássico, era somente isso que tocava. Uma mistura interessante: tocava de Beatles a Led Zeppelin, passando por Rolling Stones, David Bowie, Joy Divison, Smiths, Queen e outras coisas. Um playlist escolhido pela própria Camilla.

Em uma mesa tinha diversos doces e salgados: muitos brigadeiros, beijinhos, sanduíches, e um bolo de dois andares com diversas máscaras. E em outra mesa tinha diversos embrulhos, com os presentes.

Seu José estava dançando como se ainda fosse jovem. Dona Fátima também. A neta dos dois enfrentava um pouco de dificuldade para dançar por causa da roupa de astronauta e do penteado meio esquisito.

A festa estava muito louca. Camilla podia beber a vontade, só enquanto seus avós não estivessem olhando. Tinha bebida alcoólica, pois haveria maiores de idade na festa.

— Freak out! – disse Camilla. A menina bebeu alguns goles e estava caindo de bêbada. Mas seus avós não ligavam. Nem estavam olhando.

A essa altura, a maquiagem estava indo pelos ares. A sombra tinha sumido. A purpurina continuava lá nos cabelos. E o penteado estava em pé, literalmente. Quase furou o olho de Natália, mas estava tudo na paz.

Nem tudo…

Dez da noite. Quem chega: Sílvia e sua Gangue de Salto. O que elas queriam: um pedaço de bolo, já que não tinham sido convidadas. Era uma provocação. Mas Camilla não queria dar o braço esquerdo a torcer. As meninas da Salto se vestiam de minissaia, casaco de couro, botas de salto altíssimo. E não utilizavam camisetas.

— Dá um pedaço de bolo aí? – disse Noemi, uma das garotas da Gangue de Salto.

— Ainda não chegou na parte do bolo. – disse dona Fátima, tentando ser gentil com aquelas garotas de visual tão agressivo.

— Ei, meninas! Vieram para minha festinha? Vestidas de quê? De idiotas? – disse Camilla, obviamente fora do seu juízo normal. Ela só falava besteiras quando ficava bêbada.

— Quer dizer que é o seu aniversário? Logo vi. Uma festa de merda, para uma menina que é uma merda… – disse Sílvia.

— Quer um pedacinho de bolo, Sílvia? Que tal comer sua língua? – disse Camilla. – Talvez tenha um gosto melhor que o meu bolo.

Sílvia queria voar em cima de Camilla. Até tentou. Mas a aniversariante foi mais esperta. Como tinha reflexos mais aguçados do que os de um ser humano normal, esquivou. Mesmo bêbada, era mais rápida que Sílvia. A líder da Gangue de Salto caiu no chão.

— Ah, sua… — gritou Sílvia.

— Quer saber o quanto dói uma sequência de murros no olho? — disse Camilla.

— Não esqueceu daquela surra magistral, né?

— Claro que não. Aquela surra até mudou de cor meu olho. Por causa daquela surra magistral eu tenho problemas para enxergar. Fiquei um mês no hospital por causa disso. Vou mandar a conta do hospital para os seus amigos. A cirurgia do olho foi a mais cara.

— Sílvia, é melhor você sair — disse dona Laura — Você se meteu em tanta confusão e se você insultar Camilla de novo… te deixo de castigo.

— Já sou maior de idade, mãe.

— Mas eu ainda sou sua mãe.

— Tá, vou sair. Gangue de Salto, vamos sair! — disse Silvinha Couro Mole.

As meninas da Salto saíram. Sílvia somente reconhecia autoridade de uma pessoa: dona Laura, sua mãe.

O som estava alto. Camilla estava com dor de cabeça. Seu penteado estava em pé. Subiu ao seu quarto para limpar suas lentes de contato e aproveitou para fumar um cigarro. Detonou dois cigarros em apenas cinco minutos. Depois voltou para sua festa de aniversário. Era hora dos Parabéns!

— “Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida”! — todos gritaram às onze da noite.

Meia-noite. A festa estava praticamente vazia. Mas o som continuava ensurdecedor, do jeitinho que a aniversariante gostava. Tinha somente Luciano, Levi, Angela, seu José, dona Fátima e Milla. Estava tocando “Space Oddity”. Ninguém estava ligando para o que estava tocando, nem mesmo Camilla, que em condições normais estaria cantando a plenos pulmões.

Continuaria normal aquela situação, se não contassem com um fato fora do comum…

Ouviu-se uma voz de criança do lado de fora daquela casa. De uma menina. Diferentemente da voz de Camilla que era doce; mas ao mesmo tempo, era baixa (a voz só aumentava quando ela ficava com raiva), a voz da menina era de um tom muito particular. Era alta e fina e tinha um leve sotaque alemão.

— Mãe, é essa a casa do vovô e da vovó?

Depois se ouviu um tom de voz de uma mulher. Que seu José sabia muito bem de quem era.

— É sim, Rosie. É a única casa que está tocando David Bowie…

Depois se ouviu uma voz de homem. De um tom um pouco esquisito.

— Rosie, você vai conhecer sua irmã. Acho que hoje em dia ela já teria 15 anos. Nunca mais vi o rosto de Camilla… Faz tanto tempo que não vejo sua irmã mais velha.

A campainha tocou. Dona Fátima estranhou aquilo.

— Quem viria a essa hora para o aniversário de Camilla? Quase todo mundo foi embora…

A surpresa: Alexandra, Carlos e Rosalyn estavam ali na porta, querendo entrar.

Tocava “Stairway to Heaven”.”