Quatro Vezes Você

Já que David Bowie, um dos tiozinhos do rock que ainda está inteiro, lançou um clipe polêmico nos últimos dias: “The Next Day” (eu vi, não achei nada demais, mas foi censurado pela Liga Católica americana, pede a confirmação de idade no Youtube e tem um monte de visualizações e eu vi foi na VEVO!), vou fazer um texto desanuviando essa figura folclórica do rock. Ou melhor essas figuras folclóricas do rock. O cara era um e ao mesmo tempo era vários.

Eu estava um dia desses imaginando. Algo quase cotidiano para mim. Imaginando quatro garotas da minha classe vestidas como as  quatro principais personas artisticas do David Bowie: Major Tom,  Ziggy Stardust, Aladdin Sane e Thin White Duke. Ficou meio estranho cada uma vestida com uma particularidade de figurino, mas seria fodão. Uma vestida de astronauta, outra de roqueiro alienígena, outra de roqueiro americano com um raio no rosto e mais uma vestida de nobre decadente.

Antes que o caro leitor fique boiando, vou explicar: já ouviu falar no Fernando Pessoa? Um dos maiores poetas da língua portuguesa, que ficou famoso por seu heterônimos. Os mais famosos são Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos (tem mais 121,se ficou curioso). Pois é, o David Bowie fez diversas personas, os seus heterônimos (a que ficava melhor em mim seria o Screaming Lord Byron, de 1985, que é menos conhecido. E eu estava imaginando meus cabelos pintados de roxo e minha pele meio azulada). As mais famosas são as quatro citadas lá em cima.

Primeiro, vou falar do astronauta: o Major Tom. O Major Tom é um astronauta, que foi mandado para as estrelas, por livre e espontânea vontade. Tudo estava as mil maravilhas, mas ocorre uma falha na comunicação grave, o foguete fica com problemas e a última transmissão do Major é “diga a minha esposa que eu a amo muito” e a resposta é “ela sabe”, meio que prevendo que ele não iria voltar. Tom tem  problemas com drogas, mas esse assunto é mais citado na faixa “Ashes to Ashes”, de 1981. A faixa “O Astronauta de Mármore”, da banda brasileira Nenhum de Nós descreve um pouco o astronauta chapado. Mesmo que seja de outro alterego, o Ziggy Stardust. O Major Tom apareceu pela primeira vez na faixa “Space Oddity”, de 1969. Essa música foi a trilha  sonora da chegada do homem à Lua no Reino Unido e fez o vesgo David Robert Jones famoso e virar um dos sex-symbols do rock. Rock tambem é história, folks!

“This is Major Tom to ground control
I’m stepping through the door
And I’m floating in the most peculiar way
And the stars look very different today

For here am I sitting in a tin can
Far above the world
Planet Earth is blue, and there’s nothing I can do” (David Bowie, Space Oddity, 1969).

david20bowie20-20space20oddity

Depois de dois discos sem “personagens” mas com o visual bem andrógino, quase feminino (Hunky Dory e The Man Who Sold the World, agradeçam a Angela, primeira mulher do David), vem o personagem mais famoso do David: Ziggy Stardust. Ziggy é um alienigena (de novo, o tema do espaço) que é uma espécie de mensageiro do Apocalipse. Resumindo a história: a Terra vai acabar dentro de cinco anos. Ziggy tenta avisar o povo da Terra que “o fim está próximo”. Mas  diferentemente da maioria desses “profetas do Apocalipse”, Ziggy usa o rock para espalhar essa mensagem com a sua banda, a Spiders from Mars. Mas depois o cara fica doido com o sucesso que lhe sobe à cabeça (vira um cara egocêntrico, drogado, explosivo e completamente doidão), acha que é um profeta do “Starman” (o salvador da pátria, ou melhor, do mundo), e acaba se matando. O disco “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars” de 1972 conta a história desse roqueiro alienígena gente fina, mas que diz muito sobre a vida dos rock stars: o sucesso sobe a cabeça e leva a autodestruição. Esse texto abaixo é de uma entrevista do David Bowie para a Rolling Stone americana na época do lançamento do disco. Coloquei o texto em inglês e uma tradução que eu fiz (ué, sou estudante de Letras! Preciso fazer traduções decentes!). O curioso: depois da turnê do disco, o David demitiu toda a banda. O Ziggy não bateu as botas (botas de couro vermelhas!) e a banda dele não acabou? Então. Se não bastasse,em um show na casa de shows no Oxford Town Hall o maluco do David fez o seguinte: “se ajoelhou diante de Mick Ronson, enlaçou o traseiro do guitarrista com as mãos e puxou Ronson e sua guitarra em direção à sua boca – em uma simulação de sexo oral”(nada muito infantil) e parecia uma orgia na plateia. Mais info sobre esse episódio escandaloso: http://rollingstone.uol.com.br/edicao/edicao-74/como-ziggy-stardust-caiu-na-terra Não achei a foto na internet (ainda!). Foto abaixo.

Crianças, não façam isso em casa, sob nenhuma hipótese!
Crianças, não façam isso em casa, sob nenhuma hipótese!

“The time is five years to go before the end of the earth. It has been announced that the world will end because of lack of natural resources. Ziggy is in a position where all the kids have access to things that they thought they wanted. The older people have lost all touch with reality and the kids are left on their own to plunder anything. Ziggy was in a rock-and-roll band and the kids no longer want rock-and-roll. There’s no electricity to play it. Ziggy’s adviser tells him to collect news and sing it, ‘cause there is no news. So Ziggy does this and there is terrible news. ‘All the young dudes’ is a song about this news. It’s no hymn to the youth as people thought. It is completely the opposite. […]

The end comes when the infinites arrive. They really are a black hole, but I’ve made them people because it would be very hard to explain a black hole on stage. […]

Ziggy is advised in a dream by the infinites to write the coming of a Starman, so he writes ‘Starman’, which is the first news of hope that the people have heard. So they latch onto it immediately…The starmen that he is talking about are called the infinites, and they are black-hole jumpers. Ziggy has been talking about this amazing spaceman who will be coming down to save the earth. They arrive somewhere in Greenwich Village. They don’t have a care in the world and are of no possible use to us. They just happened to stumble into our universe by black hole jumping. Their whole life is travelling from universe to universe. In the stage show, one of them resembles Brando, another one is a Black New Yorker. I even have one called Queenie, the Infinite Fox…Now Ziggy starts to believe in all this himself and thinks himself a prophet of the future starmen. He takes himself up to the incredible spiritual heights and is kept alive by his disciples. When the infinites arrive, they take bits of Ziggy to make them real because in their original state they are anti-matter and cannot exist in our world. And they tear him to pieces on stage during the song ‘Rock ‘n’ roll suicide’. As soon as Ziggy dies on stage the infinites take his elements and make themselves visible.”

Minha tradução:

“A época é cinco anos antes do fim da Terra. Foi anunciado que o mundo iria acabar por carência de recursos naturais. Ziggy está em uma situação em que todas as crianças têm acesso às coisas do jeito que elas querem. Os mais velhos perderam todo o senso de realidade e as crianças deixam de se roubar umas as outras. Ziggy está em uma banda de rock’n’roll e as crianças não querem saber de rock’n’roll. Não há eletricidade para tocar. O assessor de Ziggy lhe diz para procurar notícias e cantá-las, pois não há notícias. Então, Ziggy faz isso e há terríveis notícias. ‘All the Young Dudes’ é uma faixa sobre essas notícias. Não é um hino sobre a juventude, como as pessoas acham. É completamente o oposto. […]

O fim chega quando the infinites (não tem tradução, nesse caso) chegam. Eles na verdade são buracos negros, mas eu os criei como pessoas porque é muito difícil explicar o que são buracos-negros no palco.

Ziggy é avisado em um sonho pelos infinites para escrever sobre a vinda de um ‘Starman’, então ele escreve ‘Starman’, que é a primeira notícia de esperança que as pessoas estavam ouvindo. Então, eles ‘sacam’ o que significa imediatamente. Os ‘starmen’ do qual ele está falando são os chamados infinites e eles são saltadores de buracos-negros. Ziggy estava falando sobre aqueles fantásticos homens do espaço que vieram para salvar a Terra. Eles aterrissam em algum lugar em Greenwich Village. Eles não ligam para esse mundo e não é possível a ajuda deles. Eles só vieram parar no nosso universo porque eles estavam “saltando buracos-negros”. A vida inteira deles é viajar de universo em universo.

No show, um deles se parece com (Marlon) Brando, outro é Black New Yorker. Tem um que se chama Queenie, the Infinite Fox. Agora Ziggy começa a acreditar em tudo de si e que pensa que é um profeta dos futuros starmen. Ele se eleva a tais alturas espirituais e é seguido por seus discípulos. Quando os starmen aparecem, eles dão mordidas em Ziggy para serem reais, já que são feitos de antimatéria e que não existe no nosso mundo. E eles o rasgam em pedaços (rasgam o Ziggy) no palco durante a faixa ‘Rock’n’roll suicide’. Assim que ele morre, os starmen pegar seus elementos e se tornam visíveis.”

david-bowie-202

Depois desse roqueiro alien que se vestia esquisito, o David continuou com os cabelos vermelhos. Gravou o disco “Diamond Dogs” (inspirado no livro 1984, de George Orwell) em que a capa foi feita por um pintor holandês, Guy Peelaert. A capa é meio esquisita, vide foto abaixo. Digita no Google “diamond dogs” que você encontra a foto completa. A única faixa que eu gosto de verdade é “Rebel Rebel”. Minha cara. “Rebel Rebel, you’ve torn your dress/Rebel Rebel, your face is a mess/Rebel Rebel, how could they know?/ Hot tramp, I love you so!” (tradução:” Rebelde Rebelde, você rasgou seu vestido/ Rebelde Rebelde, seu rosto é uma bagaça, Rebelde Rebelde, como eles poderiam saber?/ Vagabunda gostosa, eu te amo demais!”)

Diamond dogs

E o tal Aladdin Sane, que eu passei metade da semana falando sobre ele e ninguém entendeu? Segundo o David era “Ziggy Stardust indo aos Estados Unidos” e é também uma frase (Aladdin Sane é um trocadilho com a frase “a lad insane”, um cara doidão). Não havia muita diferença entre Aladdin e Ziggy. As diferenças: Aladdin era americano (de Detroit), já Ziggy era marciano, os figurinos do Aladdin eram mais elaborados e a personalidade do ruivo de Detroit era quebrada. E o som tinha uma levada mais americana (inclusive no inglês), mas as roupas eram um episódio a parte. Nem mesmo Lady Gaga teria coragem de usar roupinhas tão doidas (cortesia da modelo Angie). Mais uma dica: se tiver se interessado, caro leitor, digite “Aladdin Sane”. O que mais marcou foi a maquiagem do raio, que representa a dualidade da mente. Traduzindo: todo mundo é um. Mas ao mesmo tempo é dois, três, quatro, 124 (no caso do Fernando Pessoa)…

bowie

Depois de ter feito um figurino mais “normal” no disco “Young Americans” (com direito a backing vocal do John Lennon em “Fame”, a minha favorita do disco!), David Bowie, o Camaleão ataca novamente. Dessa vez, com um figurino mais normal. O Thin White Duke, apresentado ao mundo no disco “Station to Station” (de 1976), era um nobre decadente, interessado em cabala e misticismo de toda e qualquer espécie, que cantava canções de amor meio insossas. Normal, certo? Errado. O cara estava magérrimo, vivendo à base de “red peppers, cocaine and milk” (pimentas malaguetas, cocaína e leite), a paranoia estava o perseguindo e a personalidade que demonstrava em suas entrevistas era meio sombria. E o casamento com Angie estava no buraco (horrores de beijos sem paixão, chifres para os dois lados e o filho dos dois pagava o pato…). O figurino estava normal, já a cabeça dele, nem tanto. Se mandou para Berlim Ocidental e se vacilar, deve ter cruzado com uma certa Christiane F. E lançou a trilogia de Berlim (“Heroes”, Low e Lodger), junto com Brian Eno. Mas isso é assunto para um post anterior. Não analisei a soundtrack do filme da Christiane F. porque eu não sabia, só baixei há pouco tempo. Quer mais imagens? Vá a http://bowieisgod.tumblr.com/page/2 .Tem diversas fotos bacaninhas. A que eu mais curti foi a do David com sua ex-mulher Angie como dois alienígenas trabalhados no Tecnicolor, datada de 1972. Uma foto linda (não sei se  vocês vão achar o mesmo, caros leitores), mais pela forma que pelo conteúdo.

tumblr_ld2kv6z6Vy1qzezj5o1_1280

E eu achei fodona a faixa V-2 Schneider! É, fugi do assunto. Que se foda!

Ainda sobre “Station to Station”, de tanto eu tocar lá em casa, minhas duas irmãs aprenderam o refrão. A contra-gosto, admito. Mas elas aprenderam e é isso que importa! (E a minha irmã do meio adorou o filme da Christiane F.!)

“The return of the Thin White Duke
Throwing darts
In lovers’ eyes
Here are we one magical moment
Such is the stuff from
Where dreams are woven
Bending sound
Dredging the ocean lost in my circle
Here am I
Flashing no colour tall in this room
Overlooking the ocean”  (David Bowie, Station to Station, 1976).

tumblr_la2xx3Sujl1qa1iiqo1_500

E a lição do dia: todo mundo é um. E se reinventa o tempo todo.

Ao som de: Space Oddity, Starman, Panic at the Detroit,Station to Station, O Astronauta de Mármore, Marcianos Invadem a Terra…

2 comentários em “Quatro Vezes Você”

Deixe um comentário