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Dom do som e da visão

Eu não parei de escrever a história da Camilla, não! Nesse texto os pais de Camilla voltam, acompanhados da menina Rosie, tem uma briga feia entre Camilla e Sílvia.

“Uma semana depois, na velha casa da família Brandão era o aniversário de Camilla. Até os avós entraram no clima da comemoração. Seu José estava de senador romano e dona Fátima estava de bruxa. Os dois e a netinha fizeram a arrumação.

A menina demorou uma hora para trocar a sua roupa. O macacão não era muito complicado de se vestir. O problema seria o penteado. O penteado que ela tinha visto na Internet, chamado de Tempestade Solar, era muito complicado: era um rabo-de-cavalo em que as pontas do cabelo estavam completamente arrepiadas e levantadas. Parecia um Sol, só que ficaria em preto e roxo.

Com muito laquê e gel o penteado estava pronto. Camilla fez toda a Tempestade Solar sozinha. A menina ainda pôs uma nuvem de purpurina rosa nos longos cabelos pretos com mechas roxas. E ainda com muita maquiagem: em tons de azul, roxo, verde, rosa e branco. Ela sabia se maquiar. Parecia uma galáxia de poeira estelar.

— Sou a primeira astronauta do Universo a ir para o espaço com quilos de maquiagem no rosto, com um penteado esquisito e com quilos de purpurina nos cabelos. Inclusive meu cabelo tá pesando… Mas ele venceu a lei da gravidade, ainda bem! Espero que aguente até a hora dos “Parabéns”!

Camilla foi de astronauta. A roupa não incluía capacete, somente macacão. Seu longo cabelo cheio de mechas roxas estava amarrado de uma maneira que parecia que estava em uma tempestade. Uma tempestade em roxo e preto e com purpurina rosa.

Pouco a pouco a turma chegava. Primeiro veio Luciano com Natália. Luciano tinha se vestido de Renato Russo, com direito a roupa, óculos e barba. Natália foi vestida de pin-up, com um micro vestido floral.

— Feliz aniversário, Camilla! — disse Luciano, cumprimentando sua namorada com um demorado beijo. A barba estava pinicando no rosto de Camilla.

— Obrigada, amorzinho! — agradeceu Camilla, esfregando o rosto.

— Feliz aniversário, amiga! — disse Natália, dando um abraço. — Quebrei o meu cofrinho com as minhas economias para comprar o seu presente.

— Valeu! — agradeceu Camilla.

Mais tarde chegaram Levi e Angela. Vieram combinando: Levi foi de David Bowie e Angela foi de Angela Bowie. Pegaram a capa do livro que Milla emprestara a Angie e resolveram imitar. Os dois cumprimentaram a aniversariante.

— Feliz aniversário, Camilla! Muitos anos de vida! — disse Levi.

— É, Camilla! Você merece muitos anos de vida! — continuou Angela.

— Agora eu sei por que você não quis me devolver o livro. Para ficar na foto igual a tua xará, não? — disse Milla. — Toma cuidado, vai que ele te troca por um Mick Jagger….

As duas riram.

Depois chegou Anabela, com a mãe, dona Laura. A menina veio com uma roupa inspirada em Alice no País das Maravilhas. Até a bengala que usava estava no clima: toda colorida.

— Feliz aniversário, Camilla! Que Deus sempre guie seus passos! — disse Ana.

— Muitos anos de vida para você, Camilla! — disse dona Laura. — Trouxemos algo que você vai gostar!

— Obrigada, dona Laura.

Eram nove da noite. A casa estava cheia de gente.

Começou a festa. Como a aniversariante adorava rock clássico, era somente isso que tocava. Uma mistura interessante: tocava de Beatles a Led Zeppelin, passando por Rolling Stones, David Bowie, Joy Divison, Smiths, Queen e outras coisas. Um playlist escolhido pela própria Camilla.

Em uma mesa tinha diversos doces e salgados: muitos brigadeiros, beijinhos, sanduíches, e um bolo de dois andares com diversas máscaras. E em outra mesa tinha diversos embrulhos, com os presentes.

Seu José estava dançando como se ainda fosse jovem. Dona Fátima também. A neta dos dois enfrentava um pouco de dificuldade para dançar por causa da roupa de astronauta e do penteado meio esquisito.

A festa estava muito louca. Camilla podia beber a vontade, só enquanto seus avós não estivessem olhando. Tinha bebida alcoólica, pois haveria maiores de idade na festa.

— Freak out! – disse Camilla. A menina bebeu alguns goles e estava caindo de bêbada. Mas seus avós não ligavam. Nem estavam olhando.

A essa altura, a maquiagem estava indo pelos ares. A sombra tinha sumido. A purpurina continuava lá nos cabelos. E o penteado estava em pé, literalmente. Quase furou o olho de Natália, mas estava tudo na paz.

Nem tudo…

Dez da noite. Quem chega: Sílvia e sua Gangue de Salto. O que elas queriam: um pedaço de bolo, já que não tinham sido convidadas. Era uma provocação. Mas Camilla não queria dar o braço esquerdo a torcer. As meninas da Salto se vestiam de minissaia, casaco de couro, botas de salto altíssimo. E não utilizavam camisetas.

— Dá um pedaço de bolo aí? – disse Noemi, uma das garotas da Gangue de Salto.

— Ainda não chegou na parte do bolo. – disse dona Fátima, tentando ser gentil com aquelas garotas de visual tão agressivo.

— Ei, meninas! Vieram para minha festinha? Vestidas de quê? De idiotas? – disse Camilla, obviamente fora do seu juízo normal. Ela só falava besteiras quando ficava bêbada.

— Quer dizer que é o seu aniversário? Logo vi. Uma festa de merda, para uma menina que é uma merda… – disse Sílvia.

— Quer um pedacinho de bolo, Sílvia? Que tal comer sua língua? – disse Camilla. – Talvez tenha um gosto melhor que o meu bolo.

Sílvia queria voar em cima de Camilla. Até tentou. Mas a aniversariante foi mais esperta. Como tinha reflexos mais aguçados do que os de um ser humano normal, esquivou. Mesmo bêbada, era mais rápida que Sílvia. A líder da Gangue de Salto caiu no chão.

— Ah, sua… — gritou Sílvia.

— Quer saber o quanto dói uma sequência de murros no olho? — disse Camilla.

— Não esqueceu daquela surra magistral, né?

— Claro que não. Aquela surra até mudou de cor meu olho. Por causa daquela surra magistral eu tenho problemas para enxergar. Fiquei um mês no hospital por causa disso. Vou mandar a conta do hospital para os seus amigos. A cirurgia do olho foi a mais cara.

— Sílvia, é melhor você sair — disse dona Laura — Você se meteu em tanta confusão e se você insultar Camilla de novo… te deixo de castigo.

— Já sou maior de idade, mãe.

— Mas eu ainda sou sua mãe.

— Tá, vou sair. Gangue de Salto, vamos sair! — disse Silvinha Couro Mole.

As meninas da Salto saíram. Sílvia somente reconhecia autoridade de uma pessoa: dona Laura, sua mãe.

O som estava alto. Camilla estava com dor de cabeça. Seu penteado estava em pé. Subiu ao seu quarto para limpar suas lentes de contato e aproveitou para fumar um cigarro. Detonou dois cigarros em apenas cinco minutos. Depois voltou para sua festa de aniversário. Era hora dos Parabéns!

— “Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida”! — todos gritaram às onze da noite.

Meia-noite. A festa estava praticamente vazia. Mas o som continuava ensurdecedor, do jeitinho que a aniversariante gostava. Tinha somente Luciano, Levi, Angela, seu José, dona Fátima e Milla. Estava tocando “Space Oddity”. Ninguém estava ligando para o que estava tocando, nem mesmo Camilla, que em condições normais estaria cantando a plenos pulmões.

Continuaria normal aquela situação, se não contassem com um fato fora do comum…

Ouviu-se uma voz de criança do lado de fora daquela casa. De uma menina. Diferentemente da voz de Camilla que era doce; mas ao mesmo tempo, era baixa (a voz só aumentava quando ela ficava com raiva), a voz da menina era de um tom muito particular. Era alta e fina e tinha um leve sotaque alemão.

— Mãe, é essa a casa do vovô e da vovó?

Depois se ouviu um tom de voz de uma mulher. Que seu José sabia muito bem de quem era.

— É sim, Rosie. É a única casa que está tocando David Bowie…

Depois se ouviu uma voz de homem. De um tom um pouco esquisito.

— Rosie, você vai conhecer sua irmã. Acho que hoje em dia ela já teria 15 anos. Nunca mais vi o rosto de Camilla… Faz tanto tempo que não vejo sua irmã mais velha.

A campainha tocou. Dona Fátima estranhou aquilo.

— Quem viria a essa hora para o aniversário de Camilla? Quase todo mundo foi embora…

A surpresa: Alexandra, Carlos e Rosalyn estavam ali na porta, querendo entrar.

Tocava “Stairway to Heaven”.”

Socorro! Não quero levar um salto na barriga!

Camilla saiu da estação correndo. Pensando no que poderia acontecer. O que seria que Sílvia seria capaz? Desfigurá-la com unhadas e golpes de canivete? A Gangue de Salto era perigosa, agora com a Silvinha Couro Mole ficaria pior. Ela era esperta, mais esperta que as outras garotas da gangue. Correu para casa. Encontrou dona Fátima e a abraçou. Parecia uma menina de cinco anos assustada. Parecia a menina de cinco anos que se viu sozinha na casa dos avós.

— Vovó, a Sílvia entrou para a Gangue de Salto! Estou com medo!

— Verdade, Camilla?

— Eu tô falando a verdade, vó. Sou o primeiro alvo dela. Aposto que ela vai me marcar com um salto na minha barriga. Não é isso que o povo da Gangue faz nos seus inimigos?

— Sílvia entrou para uma gangue?

— E não é o que eu estou dizendo, vó?

— Deixa para lá, filhinha. Seu aniversário é semana que vem. Já decidiu o tema?

— Uma festa à fantasia, vó. Eu já disse no mês passado. Providenciaram minha roupa de astronauta?

— Já. Foi cara, sabia?

— Pelo menos uma coisa para me distrair…

Camilla foi para o quarto suspenso e de janelas fechadas com cortinas brancas. As cortinas brancas já estavam começando a ficar meio amareladas. Quando elas eram lavadas, eram substituídas. Aquela vista, mesmo que maravilhosa, lhe ardia nos olhos.

Aquelas cortinas estavam naquele quarto desde o aniversário de seis anos. Enquanto esperava por seus pais a menina ficava horas olhando para o horizonte, uma vista que era muito bonita, com montanhas ao fundo e uma estrada. Sempre imaginava que o carro de Alexandra e de Carlos voltaria com alguns suvenires de Nova York, como aqueles globos de neve. E que Rosalyn nasceria em casa. E que Camilla teria uma infância normal.

Mas em vez disso, Camilla ficou esperando. O carro não apareceu. Rosalyn nasceu em qualquer outro lugar do mundo. E Camilla nunca mais teve uma infância normal.

O pior pesadelo de Milla (como era chamada por seus amigos) virou realidade aos oito anos. Alguém descobriu que os pais da menina haviam sumido. Foi no dia de uma reunião de pais e mestres. A diretora do colégio queria que os pais de Camilla aparecessem, pois a menina havia quebrado algumas janelas por pura e simples raiva. Estava entediada e quebrou as janelas, pois queria sair. A professora, que estava dando uma aula de História do Brasil notou que as janelas haviam sido quebradas e viu cacos de vidro nas coisas de Camilla. Mesmo que Milla fosse uma das melhores alunas, era mentalmente instável.

— Pequena vândala! — gritou Elizabeth, a professora. Ela já estava de marcação com Camilla.

Chamou a diretora.

— Camilla, você poderia chamar os seus pais? — disse dona Márcia, a diretora.

— Eu não tenho pais e você sabe disso. Eles sumiram quando eu tinha cinco anos. E quem contou foi a tia Eliza, você se lembra? — apesar da pouca idade, Camilla tinha uma desenvoltura invejável para uma menina de oito anos.

Infelizmente, os outros alunos estavam ouvindo a conversa de Milla e da diretora. Quando a menina saiu, ouviu alguns comentários, do tipo:

— Olha a enjeitadinha. Quer uma chupeta?

— Não é a toa que teus pais te abandonaram, você é feia demais.

— Olha só, Camilla. Quer um passaporte para poder ir procurar papai e mamãe?

Quem havia dito a última frase foi Sílvia. Uma menina invejosa e burra, mas era esperta quando queria se dar bem. Só passava de ano porque tinha gente para lhe dar cola.

Camilla tomou naquele dia uma surra na saída. Uma surra dos amigos de Sílvia: Paulo, André, Sávio e Felipe. Bateram com tanta força na garota que ela começou a sangrar pelo nariz, pela boca e seus olhos ficaram machucados. Passou uma semana internada e a menina chegou em casa em uma maca hospitalar cheia de arranhões, marcas de mordida, parecia que havia sido atacada por cães raivosos, e não por quatro meninos. Teve diversas sequelas.

Seus olhos, antes de um azul profundo e ao mesmo tempo aterrorizante, ficaram em um tom de azul tão pálido que parecia cinza. E ela estaria condenada a viver usando óculos. Milla ainda guardava um velho pano manchado de sangue tipo AB+. Seu sangue. Os meninos foram expulsos e Camilla foi transferida para uma escola particular.

Continuou com o seu histórico de aluna exemplar. E continuava a atrair inimigos. Mas na escola particular conheceu seus amigos Levi e Natália. A dupla era mais velha e se metia em muita confusão. E Camilla os acompanhava. Resultado: os três foram expulsos. Camilla teve que voltar a estudar em escola pública.

Com nove anos começou a tocar violão. Como também tocava piano, a menina aprendia bem rápido.

A paixão da menina por David Bowie começou quando tinha 10 anos. Uma noite ela foi revistar o porão e encontrou uma caixa cheia de discos. Aquilo despertou sua curiosidade. Ela pegou uma edição de “Aladdin Sane”. Adorou a capa. Tentou ouvir o disco, mas para o seu azar, estava arranhado. Levou para seu José.

— Vô, quem é esse cara que tá com um raio pintado no rosto?

— Estou vendo que você acabou de conhecer David Bowie.

— David o quê?

— David Bowie. Quando eu era mais jovem eu ouvia bastante. Enquanto eu morava na Inglaterra cheguei a ir a alguns shows dele.

— Quando você era mais jovem?

— Eu morei uns anos na Inglaterra. Fiz faculdade por lá. Fui exilado com minha família, meu pai era contra o regime militar. Toda a família foi para a Inglaterra. Esse disco que está em suas mãos e alguns outros que estão lá embaixo foram comprados lá. Que pena que esse está arranhado… prometo que te compro um novo. Esses discos eram da sua mãe. Mas a Alexandra não gosta de rock, então são seus.

— Obrigada, vô! Eu adorei essa capa, vô. É tão bonita…

Camilla foi para a caixa e pegou “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars” e ficou ouvindo. Aquele som não era celestial, mas a menina não gostou.

Mas passou uns dias e Camilla voltou a ouvir aquele disco e se apaixonou por aquele alien ruivo que dizia que o mundo iria acabar em cinco anos, mas que ao mesmo tempo se autodestruía. E foi elegendo as suas faixas favoritas:

— “Starman”, “Suffragette City”, “Hang onto Yourself”…

Seu inglês melhorou bastante. Aos 11 anos ela queria ir para K. West[1]. Não ganhou a viagem para Londres, mas ganhou a edição de “Aladdin Sane” sem nenhum tipo de arranhão de Natal. Ela colocou a capa do disco do avô.

Chegou a adolescência. Normalmente é um período complicado, mas para Camilla foi terrível. Como voltou a estudar junto com Sílvia, sempre ia para a escola morrendo de medo. Tremia quando pensava que corria risco de voltar para casa de novo em uma maca de hospital.

Nessa época, Milla conheceu Anabela. Cega de nascimento era detestada por Sílvia, mesmo que as duas fossem irmãs. Por causa dos laços de sangue, Sílvia não tocava em um fio de cabelo da irmã que não enxergava.

— Oi. — disse Camilla.

— Quem está aí? — disse Anabela.

— Camilla. Sou a nova aluna.

— Onde você está?

— Bem na sua frente. Você não enxerga?

— Não. Sua voz é tão bonita… Parece a de um anjo… Tem certeza de que você é desse mundo?

— Claro.

Anabela virou uma espécie de conselheira de Milla.

Camilla conheceu seu namorado, Luciano, enquanto ele ainda estudava. Luciano, por ser irmão de Natália, conhecia a menina.

Mas o namoro só começou havia sete meses.

Angela trabalhava como bibliotecária e estudou com Luciano. Mesmo que Camilla detestasse a biblioteca da escola (dizia que a biblioteca dos seus avós era maior que a do colégio) ela ia somente para conversar sobre livros com Angie.

— Quer um livro legal?

— Qual? É clássico? — Angela adorava livros de autores clássicos. Seus favoritos era Machado de Assis e José de Alencar.

— Não. O livro em que a sua xará, a Angela Bowie, conta todos os detalhes sórdidos do casamento dela com David Bowie. Só que tá em inglês.

Camilla emprestou. Angela nunca mais devolveu o livro.

Dona Fátima ensinou sua única neta a costurar. Aquilo era um passatempo, mas que a menina praticava bastante. Não era à toa que tinha no quarto uma máquina de costura. Pegava diversos retalhos e ficava brincando. Certa vez Camilla fez um vestido de uma cortina velha e chegou a ir para uma festinha de aniversário com ele. Todos elogiaram o vestido bonito, até descobrirem que foi feito de uma cortina carcomida e cheia de traças.

Camilla é fruto de uma combinação explosiva: nasceu de um relacionamento sem amor, foi abandonada pelos pais com apenas cinco anos, seus avós a criaram praticamente sem nenhum tipo de regra e ela se começa a se viciar em cigarros e bebida ainda adolescente.

Bebeu sua primeira dose aos 12 anos. Se viciou em álcool com 14 anos. Nunca chegava bêbada em casa.

Começou a fumar aos 13 anos. Gastava parte de sua mesada com cigarros. O que sobrava comprava tecido para fazer roupas e discos.

Ainda aos 13 anos teve uma crise depressiva extrema. Tentou se matar.

Seus avós tentaram levar a uma clínica psiquiátrica. O médico receitou um coquetel de remédios controlados que Camilla havia parado de tomar.

Ganhou de presente de aniversário de 15 anos da sua pior inimiga[2] uma corrente de amarrar bicicletas. Mas para deixar Sílvia com raiva usou o presente dela no pescoço, mas como dona Fátima mandou tirá-la de tal lugar, utilizava a corrente no braço. A pulseira mais estranha do Universo. Até hoje a menina utilizava a pesada corrente no braço esquerdo.

— Essas lembranças parecem que dilaceram meus neurônios. — Camilla disse, baixinho.

Pegou um livro que gostava, mesmo que não gostasse nem um pouco de ler. “Mensagem” de Fernando Pessoa, o poeta favorito de seu José. Passou uma hora lendo e foi costurar qualquer coisa.

Ainda bem que o seu aniversário de 16 anos estava chegando. Uma festa a fantasia. Camilla seria uma versão com peito e bunda de Major Tom. Se bem que se fosse de Ziggy Stardust seria melhor… Thin White Duke? Nem pensar! Teria que emagrecer uns 8 quilos.

Angela chegou de surpresa. Como era o típico dela. Ia devolver um disco.

— Oi, Milla!

— AHHHHHHHH!

— Desculpa se eu te assustei.

— Ai que susto, Angela! Veio devolver o meu livro?

— Não. Esse disco aqui. Quadrophenia do The Who. É mesmo demais. De quem é?

— Do vovô. Vovó gosta de música clássica. Eu dei de presente para ela a trilha sonora de “Laranja Mecânica”. Música clássica passada no sintetizador. Ela gostou.

— Seu avô ainda tem aquele livro do José Saramago? “Memorial do Convento”?

— Deve ter. Ele podia fazer uma doação. Tem tanto livro que ele não lê…

Angela entregou o disco. Camilla deixou na caixa de discos.

— Sua festa a fantasia vai ser demais. A minha fantasia vai ser de… Eu não vou contar, vai ser surpresa! Tchau!

Camilla ficou novamente só. Detestava aquilo que os seres humanos chamavam de solidão, mas parecia sua única companhia.

 


[1] Onde foi tirada a capa do disco “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”.

[2] Sílvia.

Cai na real, volta pra Suffragette City!

Mais um capítulo de “Cadê a Luz do Fim do Túnel?”. Camilla tem uma crise depressiva, Seu José descobre que sua netinha é uma fumante inveterada, prova de piano com o Mr. Jones, Sílvia entra para a Gangue de Salto, e seu primeiro alvo é a nossa protagonista.

“As aulas estavam massacrantes para aquela classe de ensino médio. Nem mesmo as férias que se aproximavam ajudavam a levantar a moral dos estudantes. Camilla, mesmo sendo uma aluna modelo, estava morrendo de vontade que as férias chegassem e com isso, seu aniversário de 16 anos.

"Camilla, mesmo sendo uma aluna modelo, estava morrendo de vontade que as férias chegassem e com isso, seu aniversário de 16 anos."
“Camilla, mesmo sendo uma aluna modelo, estava morrendo de vontade que as férias chegassem e com isso, seu aniversário de 16 anos.”

Seus avós estavam viajando. Tinha que se virar para fazer as coisas. Queria que sua mãe, seu pai e Rosalyn estivessem ali. Começou a chorar amargamente. Ligou para todos os amigos, ver se alguém a ajudasse. Uma única pessoa atendeu ao pedido de Camilla.

Levi foi ajudar a levantar a moral da amiga. Naquela semana de junho iria completar dez anos que os pais de Camilla haviam sumido de maneira suspeita.

— Levi, me explica o seguinte: como é que uma pessoa some sem deixar nenhuma espécie de vestígio? — perguntou Camilla, limpando as lágrimas em uma velha fronha.

— Eu não sei, Camilla. Sumir já é estranho, agora sumir sem deixar rastros?! Seus pais foram muito sem-vergonha para abandonar uma garota tão legal como você.

— Mamãe disse para minha avó que eu fodi a vida dela. — disse Camilla.

— Como assim?

— Mamãe era modelo. Mas acabou com a carreira muito jovem. Ela era jovem e tinha uma carreira promissora. Mas cometeu o erro de se apaixonar e ter um bebê. Lembra que eu antigamente tomava tarja preta?

— É, você estava mal.

Camilla vivia à base de tarja preta. Começou a tomar um coquetel de remédios (três) com apenas 13 anos. Mas fazia dois meses que ela não tomava o remédio. Ela não correria risco de morrer de overdose. Ela fumava feito uma louca e bebia. Fingia que tomava o remédio e jogava-o fora.

— Vou tentar te animar, garota. Muda esse seu visual. Está meio apagadinho. Mechas roxas estão fora de moda.

— Esqueceu que não sigo a moda? — disse Camilla, abrindo um pequeno sorriso.

O celular de Levi tocou.

— Ih, é a Angela. Tenho que ir para ver o que ela quer.

— Angie?

Angela Prado era a garota da biblioteca. Usava óculos de lentes grossas, tênis, short jeans e um chapéu que quase escondia seu rosto. E uma camiseta com os dizeres: “Ler é legal, é uma viagem”.

— Tá, vai. Eu quero ficar só.

— Você nunca está só. Eu sei o que você vai fazer: vai para o computador, entrar no Facebook, passar umas duas horas até a dona Fátima pedir para você tomar banho e ir jantar. E você vai voltar para o Facebook e vai continuar conversando com todo mundo. Acertei?

— Isso. Eu comprei uns DVDs, não sei se você vai curtir. Eu ia ver.

Levi pegou o DVD que estava na escrivaninha.

— “Os Pássaros”. Legal, você adora filmes antigos.

— É, eu adoro filmes antigos. Vovô me comprou esse filme semana passada.

— Tchau, Camilla. Vejo você amanhã.

Camilla passou as duas horas seguintes no computador. Seus cabelos estavam meio ressecados, seus dedos estavam cheio de calos por causa das horas que passava digitando, a maquiagem estava borrada por causa da hora em que estava em prantos.

— Hora do banho, Camilla! — já eram cinco da tarde quando gritou dona Fátima. Se não chamasse a netinha, ela não tomaria banho de jeito nenhum.

Como o banheiro era no térreo, Camilla não tinha escolha senão descer. Pegou uma toalha meio velha e foi tomar banho.

O curioso no cabelo cheio de mechas roxas era que a cor não saía com água. Aquelas mechas roxas estavam ali havia dois meses.

Depois do banho Camilla foi assistir à televisão. Passou meia-hora e ela sentiu vontade de vomitar.

— Não tem nada que preste aqui nessa porra de televisão. Vou sair.

Pegou o seu casaco favorito, um velho casaco de couro que estava meio desbotado e foi sair.

— Vai com Deus, netinha. — disse seu José.

Camilla tinha ganhado uma bicicleta havia um mês e só andava nela para sair à noite. O “sair” da Camilla era: ir para uma velha estação de trem, fumar alguns cigarros e beber alguma coisa que não fosse água. Como cerveja, cachaça e uísque. Camilla fumava desde quando tinha 13 anos. E bebia desde o ano anterior. Seus avós não sabiam que a pequena de 1,70 e pouco de altura fumava e bebia. Seus dentinhos não eram amarelos, e ela não parecia uma jovem fumante. Tinha um hálito maravilhosamente fresco, mesmo com os cigarros. E não vomitava nas calçadas.

Na velha estação de trem, havia um bar. Não era o único lugar da cidade que vendia cigarros e bebida a menores.

Encontrou uma amiga, Tamara. Uma garota que era filha da copeira da Casa das Pedrinhas, onde Camilla passou somente cinco anos de sua vida. Tamara chegou a estudar com a filha do patrão, mas de tanto fugir das aulas foi expulsa. E parou de estudar. Trabalhava em um bar como garçonete. Tamara levou um copo de cerveja para a “filha do patrão”.

— Oi, Camilla. Como é que você está? — perguntou Tamara.

— Tô mau, muito mau. Estou um lixo. Quero um cigarro. De qualquer coisa.

— Meu Deus, por quê? Seus avós lhe deram ordem de restrição? O David Bowie morreu?

— Não foi isso. Eu preciso de um cigarro. Só isso.

A “ordem de restrição” era o que restringia a liberdade de Camilla. Isso queria dizer que ela estava proibida de sair de casa. Mas não era a tal ordem de restrição, era a tristeza que a consumia. Tamara sabia que a garota vivia a base de remédio tarja preta. Não mais, porque senão a filha do patrão teria morrido de overdose. As mãos de Camilla tremiam alucinadamente.

— Te acalma, garota. — disse Tamara. — Parece que você não está muito legal.

— ME DÁ UM CIGARRO! — gritou Camilla. — EU PRECISO TRAGAR ALGUMA COISA!

Além das mãos de Camilla tremerem alucinadamente, seu rosto suava. Parecia que não havia Camilla naquele corpo e sim, um corpo que precisava de um exorcismo.

— Nossa, você está muito mal. Toma… — e correu para pegar uma carteira.

Camilla acendeu um cigarro, pegou a carteira com os cigarros restantes e escondeu no bolso, pagou a conta e foi para casa na bicicleta. Não era nem nove horas da noite. Estava calma. Suas mãos não tremiam mais.

Seu José estava esperando sua netinha na porta. As poucas regras de Camilla: dormir cedo, tirar notas 10, manjar bastante no piano e nunca se atrasar. Mandou a menina entrar.

— Onde você esteve esse tempo todo, Camilla?

— Na estação, vô.

— Naquela Sodoma?

Havia muitos relatos de que havia prostitutas, garotos de programa, bêbados e gente que fazia o que não presta. Camilla batizou a estação de trem de Estação Zoo.

— Estava vazia, tinha somente eu.

— O que é isso no seu bolso? — seu José disse, apontando para o bolso de Camilla.

— Nada!

O avô pediu o conteúdo do que havia no bolso.

Descobriu a carteira de cigarros e um isqueiro.

"O avô pediu o conteúdo do que havia no bolso. Descobriu a carteira de cigarros e um isqueiro."
“O avô pediu o conteúdo do que havia no bolso.
Descobriu a carteira de cigarros e um isqueiro Bic.”

— Minha única neta fuma!

— Primeiro: eu não sou sua única neta. Mamãe estava grávida, provavelmente teve o bebê. E segundo: se culpe. Eu comecei a fumar porque eu via você fumando e recolhia as bitucas ainda queimando. Você não deveria ter fumado na minha frente. Me deixe.

— Você quer parar?

— É claro. Meus pulmões não estão dando conta. Mas enquanto não paro… me dê um cigarro.

— Vou te mandar para uma clínica para fumantes.

— Pra quê? Não atenderiam uma menina da minha idade. Sou menor de idade…

— Vai dormir!

Seu José ficou com a carteira e com o isqueiro. Mas pela manhã a neta iria pegar a carteira e o isqueiro, já sabia.

Ele se sentia culpado. Deixava as bitucas nos diversos cinzeiros que havia na casa. E para piorar, estavam sempre acesas.

Camilla foi para seu quarto suspenso. As janelas, como sempre, estavam fechadas com cortinas brancas. As únicas luzes vinham do teto de vidro e de um discreto abajur.

Foi para o computador. Passou das dez até a uma da madrugada conversando com Luciano. Coisas meio melosas como “você é minha anjinha” da parte do Luciano e “razão do meu vício”, da parte de Camilla.

Se cansou do computador. Foi para o espelho. Parecia que via outro alguém lá dentro. Não via a jovem que foi eleita a mais estilosa do colégio.

Estava completamente descabelada, seus olhos cinza estavam melados de remela. A pele branca estava meio gelada, parecia a de um vampiro. Seu nariz começou a sangrar. Pegou uns lenços e foi se deitar na cama. Desistiu.

Já eram umas duas da madrugada. Como o seu quarto tinha isolamento acústico, ela pegou um disco do Pink Floyd. Não sabia que seus pais gostavam daquilo.

— Nada contra o Pink Floyd, mas eu não tenho saco para aturar qualquer outra coisa.

Passou as duas horas seguintes ouvindo a mesma coisa: “The Wall”. Como ela tinha uma carteira de cigarros e um isqueiro escondidos dentro do quarto, ela detonou a carteira enquanto ouvia o disco.

"Passou as duas horas seguintes ouvindo a mesma coisa: “The Wall”. Como ela tinha uma carteira de cigarros e um isqueiro escondidos dentro do quarto, ela detonou a carteira enquanto ouvia o disco."
“Passou as duas horas seguintes ouvindo a mesma coisa: “The Wall”. Como ela tinha uma carteira de cigarros e um isqueiro escondidos dentro do quarto, ela detonou a carteira enquanto ouvia o disco.”

— Puta que pariu, amanhã tem aula de piano. Aquele professor vai me matar de lição.

O professor de piano de Camilla era um inglês, Mr. Jones, e que morava em outra cidade. Era um homem alto, magro e casado com uma das amigas de dona Fátima, dona Anelise. Professor carrasco, que só mandava a menina tocar música clássica. Dona Fátima gostava demais quando a sua netinha tocava alguma sonata para piano. Mas o que Camilla queria tocar era David Bowie. Apesar de curtir música clássica, ela queria tocar algo do seu ídolo-mor.

Como a aula seria à tarde, Camilla ‘dormiu’ até as dez da manhã. O ‘dormir’ da mocinha era somente fechar os olhos.

Camilla acordou. Estava bem melhor que no dia anterior. Ficou treinando no piano que havia na sala até o professor chegar.

O professor chato de piano apareceu. Ele era fluente em português, mas quando falava com a sua melhor aluna era somente no inglês. Iria testar a sua melhor aluna. Mandaria Camilla tocar qualquer coisa que ela gostasse. Sabia que ela se daria mal, afinal nunca ensinou nada que ela gostasse.

— Good afternoon, miss Brandão.

— Good afternoon, Mr. Jones. Can I play anything I like?

— Ok.

Camilla se sentou ao piano. Já fazia uns dez anos que ela aprendia a tocar o instrumento mais complicado já inventado pelo homem, segundo Natália. Começou quando os seus pais ainda estavam lá na casa das Pedrinhas.

— I’ll play a David Bowie’s song. It’s named “Star”. It’s my favorite song.

Estralou os dedos e começou a mandar bala nas teclas do piano. Tocando e cantando.

— “Tony went to fight in Belfast

Rudi stayed at home to starve

I could make it all worthwhile as a rock & roll star

Bevan tried to change the nation.

Sonny wants to turn the world, well, he can tell you that he tried.

I could make a transformation as a rock & roll star.

So inviting ‐ so enticing to play the part

I could play the wild mutation as a rock & roll star”.

Camilla tocou com tamanha fúria que parecia que sairia faíscas das teclas do piano. E seus pés tamanho 40 pareciam que iriam quebrar os pedais. Depois que parou de tocar, olhou para o professor, completamente suada e perguntou:

— Would you like some more, Mr. Jones?

Ele concordou com a cabeça. Nem em sonhos imaginou que a garota chegou ao nível quase profissional. Antes Camilla era uma menina indisciplinada e muito malcriada. Como ela poderia ter evoluído tanto?

— OK, here we go! I’m back on Suffragette City!

Tocou com a mesma fúria uma canção que adorava: “Suffragette City”. A essa hora, seu José e dona Fátima estavam olhando.

— “Oh, don’t lean on me man ‘cause you can’t afford the ticket

I’m back on Suffragette City

Oh, don’t lean on me man ‘cause you ain’t got time to check it

You know, my Suffragette City

Is outta sight, she’s alright”

"You know, my Suffragette City Is outta sight, she's alright”
“You know, my Suffragette City
Is outta sight, she’s alright”

Mr. Jones não acreditava no que via. As únicas palavras que encontrou foram:

— Camilla, você está de parabéns. — ele disse.

Camilla ficou espantada. O chato do Mr. Jones falava português.

— What’s going on? Can you speak Portuguese?

— Sim, eu falo. Eu não sabia que você iria tão longe em tão pouco tempo.

Ele ensinava Camilla desde quando ela tinha 9 anos. Antes, o professor de piano dela era o pai de Natália.

— Sério?

— Sério.

Depois de que o professor de piano saiu de casa, Camilla foi para a estação de trem. Saltitando toda feliz. Comprou uma carteira de cigarros, mas estava fumando somente um. Só fumava horrores quando estava nervosa.

Encontrou Luciano. Ele estava um pouco diferente. Parecia que havia passado toneladas de pó no rosto. E tinha umas marcas de maquiagem no seu rosto. Parecia que não conseguiu limpar a maquiagem a tempo.

— Ei, Lu! Que houve? Foi para uma festa a fantasia e não me convidou? — Camilla chamou o namorado.

— Não, fui para a festa de aniversário do meu primo Sérgio.

— Era do seu primo Sérgio? Pensei que o Sérgio detestasse maquiagem. Foi para a Popismo?

— Não! Fui para a festa do Sérgio. Puxa, que desconfiança. Tá com medo de me perder?

— Mais ou menos. Você está bem feliz. O que aconteceu?

— Meu professor, o Mr. Jones quase chorou com a minha apresentação no piano.

— Puxa, parabéns! O cara quase chorou? O que você tocou?

— Star e Suffragette City.

— Óbvio, sua cara tocar David Bowie. Te conheço há uns cinco anos e desde desse tempo você só ouve isso. Pelo menos na frente dos outros.

— O Levi disse que seria uma boa eu dar um tapa nesse visual.

— Pinta teus cabelos de azul, de rosa, de roxo…

— Quer saber? Vou pintar de vermelho.

— Sabia. Vermelho alienígena, deixando o seu cabelo em chamas.

— Depois do meu aniversário, tá? Vai ser semana que vem.

Camilla se despediu de Luciano; pois estavam lá perto Natália, Angie, Levi e Anabela.

— Oi, gente.

— Oi, Camilla — todos responderam.

— Sílvia entrou para uma gangue. A Gangue de Salto. — disse Levi.

— Gangue de Salto? Aquela gangue de garotas que se mete em confusão? E que tem uma ficha na polícia para cada uma das integrantes?

A Gangue de Salto (ou Salto) era uma gangue feita somente por garotas. Elas tinham esse nome porque sempre andavam de salto alto. Mas as principais armas das meninas da Salto eram os canivetes e estiletes. A criadora da Gangue, Nara, estava presa fazia um ano. As meninas da Salto eram menores de idade. E agora Sílvia, que já era perigosa sem estar em gangue, agora na Gangue de Salto seria muitas vezes mais perigosa. Só poderia ser a líder, já que tinha 19 anos.

— Aposto minha mão esquerda que o primeiro alvo será eu. — disse Camilla

— O que essas meninas teriam contra você, Camilla? — perguntou Angela.

— Nada. Mas a Sílvia me odeia desde quando me entendo por gente; tentou me bater umas cem mil vezes, mas por sorte eu tinha uns amigos que me defendiam. E eu estou com medo.

Pela primeira vez na vida Camilla queria ter os pais por perto.”

Cadê a luz do fim do túnel? (personagens) (parte 1)

CAMILLA BRANDÃO GOMES: uma jovem de 15 anos de idade, que mora com os avós. É alta, magra, tem olhos cinza-azulados, e no começo da narrativa tem cabelos pretos longos com mechas roxas. No meio da narração, ela corta seus cabelos e pinta-os de vermelho. Tem um namorado, Luciano, que é crossdresser. E diversos amigos fiéis como Natália, Levi, Anabela, Angela e outros. Mas ao mesmo tempo a moça coleciona inimigos como Sílvia e sua Gangue de Salto, que querem atrapalhar a vida da garota. No quarto tem diversos cabos pendurados no teto, um computador, uma vitrola com diversos discos e uma máquina de costura. E se chama “Camilla’s ground control”. Sua grande paixão é invadir computadores dos outros sem autorização. Sempre com êxito. A Camilla gosta de filmes antigos e de rock clássico. Seu grande ídolo é o cantor inglês David Bowie. Ela é tão fã dele que tem na porta do seu guarda-roupa um pôster original do filme “Apenas um Gigolô” (1979), que seus avós lhe deram de presente de 14 anos e a trilha sonora do filme “Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída…” (1982). O pôster veio da Inglaterra e o disco veio do Japão. Toca guitarra, bateria e piano. Em uma parte da narrativa Camilla aparece tocando ao piano uma versão de sua música favorita: “Star”, do disco “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and Spiders from Mars” (1972).

Ela mora com seus avós desde quando tinha cinco anos, quando seus pais foram viajar. Deveriam passar dez dias fora, mas se passaram dez anos e eles não haviam voltado. Camilla se transformou de uma menina gentil e sensível em um ser amargo e duro, com raiva. Mas fingia tão bem que estava bem que ninguém lhe perguntava como se sentia. Somente quando fica sozinha em seu quarto ela se desmancha em lágrimas. Seu acessório fashion é um par de óculos escuros, para poder esconder os olhos inchados. Nos pulsos há uma marca reta e marcas de pontos, que indica que foram cortados. Não foi tentativa de suicídio, foi um acidente.

A jovem é fruto de uma combinação explosiva: nasceu de um relacionamento sem amor, foi abandonada pelos pais com apenas cinco anos, seus avós a criaram praticamente sem nenhum tipo de regra e ela se começa a se viciar em cigarros e bebida ainda adolescente. E como se não bastasse, Alexandra disse que “Camilla fodeu a sua vida”. Quando a filha descobre isso, entra em choque. E começa a tomar remédio tarja preta. Isso com apenas 13 anos, na mesma época que começa a fumar. A medicação havia sido suspensa pouco tempo antes do início da narração.

Mais tarde, há um baile de formatura. O vestido do baile de formatura foi desenhado e costurado por ela. Nesse baile descobre que o namorado se veste de mulher.

Quando os seus pais voltam, depois da festa de aniversário de 16 anos, Camilla se revolta. Ela pinta os cabelos de vermelho, começa a fumar mais intensamente. Começa a andar com um canivete escondido na bota (vermelha) no pé esquerdo e usa o cigarro como uma arma (queimando seus desafetos). E resolve mostrar à Gangue de Salto que quem manda é ela e sua turma, a TVC 15. As duas turmas se enfrentam numa velha estação de trem. Em uma briga típica de mulherzinha: cheia de puxões de cabelo, unhadas, mas canivetes em punho. Camilla sai ferida na perna, um golpe de faca. E vai presa, mas fica somente duas horas atrás das grades, pois alegou legítima defesa.

Depois da libertação de Camilla, há uma lavagem de roupa suja. Alexandra e Carlos contam a sua filha o motivo do sumiço repentino que durou dez anos.

Na continuação Camilla tem 18 anos, ainda namora Luciano e já faz faculdade de Moda. Seus cabelos estão alaranjados com as raízes loiras, em referência ao filme “O Homem que Caiu na Terra”. E continua com a sua devoção a David Bowie. Mas quem entra para o vício é a pequena Rosie, que se vicia em álcool para aguentar a barra.

ALEXANDRA BRANDÃO E CARLOS GOMES: pais de Camilla. Carlos tem 39 anos e Alexandra tem 35. Alexandra Brandão era uma modelo, que engravidou de Camilla e teve que parar a carreira promissora. Fez faculdade, mas quando estava prestes a se formar engravidou novamente, dessa vez de Rosalyn. Se mandou junto com o marido para Nova York, mas em vez de passar dez dias fora, esses dez dias se transformaram em dez anos. Alexandra teve um caso com o médico que fez o parto da pequena Rosie, o Dr. Andrews, e engravida dele, mas perde o bebê. O motivo do sumiço repentino só é explicado no fim da narrativa, em que Alexandra e Carlos vão encontrar Camilla, que estava presa por causa da briga. O casal e Rosie passaram cinco dos dez anos em que estiveram fora em Berlim. Alexandra é fisicamente parecida com Camilla, mesmo depois que a garota pinta os cabelos de vermelho, exceto na cor dos olhos. Camilla tem olhos claros e Alexandra tem olhos castanhos.

Carlos Gomes (que tem nome de compositor erudito) era herdeiro de um conglomerado imobiliário e casou-se com Alexandra depois de descobrir que a modelo engravidara. Carlos não sabe que Alexandra teve um caso com o Dr. Andrews, mas teve um caso com a secretária do médico, Rochelle. Depois de uma viagem de dez anos em companhia da esposa e da filha mais jovem, os três voltam para o Brasil e reencontram a filha mais velha, Camilla. Que havia mudado bastante. Rosie é fisicamente parecida com o pai: loira e de olhos castanhos.

ROSALYN BRANDÃO GOMES (ROSIE): filha de Alexandra e Carlos, irmã de Camilla, tem 10 anos. Rosalyn é o nome de uma música da banda The Pretty Things. Fisicamente parecida com o pai, é uma menina muito tranquila e gentil. Fala quatro línguas: português, inglês, espanhol e alemão. Rosie se despede dos outros em alemão: Auf Windersen (Até logo)! Alegre, cheia de vida, gostou da irmã que acabou de conhecer. Ficou muito triste quando descobriu que Camilla estava presa por causa de uma briga de gangues. Diferentemente da irmã, que gosta de David Bowie e rock clássico, Rosie gosta das estrelas da Disney e da Nickelodeon. Rosie é muito fã de Demi Lovato e sonha ir para um show dela. Mas começou a ouvir o que a irmã escutava e gostou.

SEU JOSÉ BRANDÃO E DONA FÁTIMA BRANDÃO: avós de Camilla e pais de Alexandra. Seu José tem 65 anos e dona Fátima tem 60. Criaram a netinha mais velha com muita liberdade e poucas regras. A única regra que os avós fizeram questão que a neta seguisse: tirar excelentes notas. Eles não ligam para os cabelos meio esquisitos da netinha. Mesmo depois que os pais voltam, Camilla continua a morar com os avós, pois enxergava neles a figura paterna e materna. Mesmo que Camilla tenha entrado em uma gangue e tenha sido presa por perturbação da ordem pública, não se arrependem da criação da neta. Porque provavelmente a filha deles, Alexandra, daria uma criação pior para Camilla.

LUCIANO DE ASSIS LOPES: namorado de Camilla e tem 18 anos. É muito alto e magro e não tem nenhum pelo nas sobrancelhas. Quando a namorada entra para a gangue TVC 15 não se importa muito, até que ela vai presa e ferida. Luciano se veste de mulher por prazer, não por opção sexual. Em uma parte ele aparece vestido com uma das criações da namorada, que criou uma Maison, depois de sair da gangue TVC 15: Haus of Milla.

LEVI MATOS: braço direito e esquerdo de Camilla, tem 16 anos e tem uma namorada, Angela. Amigo de Camilla de longa data é o mentor intelectual da TVC 15. E chama sua namorada para integrar a gangue. No início Angela não aceita, mas entra.

NATÁLIA LOPES: grande amiga de Camilla e irmã de Luciano. Adotada pelos pais de Luciano quando tinha 2 anos, Natália chega a entrar para a TVC 15, mas sai por não suportar a violência. Natália é uma garota amiga, muito inteligente, e que sempre está rindo.

ANABELA MATOS: amiga de Camilla e irmã de Levi, tem 15 anos. Cega de nascimento precisa de ajuda para coisas simples: como amarrar o sapato, e andar por aí. Desaprova a gangue da irmã e a TVC 15.

ANGELA PRADO: mais conhecida como Angie, trabalha na biblioteca, tem 17 anos e é namorada de Levi. Acaba entrando para a TVC 15 porque Sílvia estragou os livros da biblioteca.

When I was young, so much young…

"e na porta um pôster do filme 'Apenas um Gigolô'"
“e na porta um pôster do filme ‘Apenas um Gigolô'”

Mais um episódio de “Cadê a Luz do Fim do Túnel?”. Mostra a Camilla mais velha, com 15 anos, e apresenta seus amigos. Ela cresceu e virou uma adolescente muito diferente das outras da sua idade.

“Camilla estava voltando do colégio, com um celular de última geração em uma mão e um estojo de maquiagem de cores bem chamativas na outra. Deu um beijo na avó e subiu para o seu quarto. Jogou a mochila na sua cama.

— Tire seus óculos, minha filha! — disse seu José. A neta nem ouviu.

O quarto da moça era um caos organizado e parecia uma estação de controle de missão espacial. Tinha uma porta-alçapão, que se entrava por uma pequena escada. Tinha cabos pendurados no teto, diversos monitores espalhados pelo quarto, um velho guarda-roupa e na porta um pôster do filme “Apenas um Gigolô”, uma guitarra na ao pé da cama, e em uma parede um desenho de circuitos eletrônicos. Na parede oposta, havia uma sequencia de zero e um. Código binário. E na frente da parede, um espelho. Uma enorme janela mostrava uma vista maravilhosa, mas que não a atraía mais havia tempos. E uma parte do teto era de vidro à prova de balas, que dava para ver as estrelas. Tinha ainda um velho toca-discos, que gostava muito de brincar com ele. Também montes de LPs que eram de Alexandra. Destoava daquele visual modernoso. Tinha uma máquina de costura e uma velha escrivaninha cheia de papeis. Aquele quarto se chamava “Camilla’s Ground Control”.

Sabia que seus pais estavam sumidos havia muitos anos. Camilla já tinha 15 anos e nada de Alexandra e Carlos. E ela sabia que sua mãe estava grávida, teria uma menina chamada Rosalyn. Mas onde estariam eles? Será que eles ainda lembravam que tinham uma filha?

Parou de pensar nisso. Saiu do quarto. Foi ao banheiro lavar o rosto. Antes, tirou as lentes de contato.

Camilla era pálida, talvez fosse por causa da maquiagem. Mas não era por maquiagem em excesso, era porque quase nunca tomava sol. Tinha olhos cinza e cabelos pretos, iguais aos da mãe, tinham algumas mechas roxas e era muito magrinha (1,70m e apenas 49 quilos). Seus avós não reclamaram das esquisitas mechas arroxeadas. Só queriam que a netinha fosse a melhor aluna do colégio. Podia mexer no computador até de madrugada (ela nem dormia), sair para dançar nas festinhas, mas tinha que mostrar o boletim cheio de notas 10. E sempre mostrava.

Tinha um namorado que a idolatrava: Luciano. Era um cara que já fazia faculdade e tinha 18 anos. Não era perversão de menores, pois quando começaram a namorar ele ainda tinha 17. Os dois se gostavam bastante. Não parecia ser um namoro, parecia mais uma grande amizade. E no fundo era isso, uma amizade muitíssimo forte. Um namoro de sete meses.

Era hora do almoço, Camilla desceu de sua estação espacial e foi comer. Dona Fátima preparava a comida com muito carinho, mas ao mesmo tempo, estava um pouco doente. Camilla sentia pena da senhora de cabelos brancos que sentia muita saudade da filha desaparecida há dez anos. Como Fátima e José não tinham outros filhos, os dois ficaram muito tristes quando souberam que a filha sumiu. Cuidavam de Camilla como uma princesa. Mas exigiam que a menina fosse a melhor aluna do colégio. Iria chamar seus amigos para uma festa, mas desistiu.

Natália era a melhor amiga de Camilla. Era irmã de Luciano e tinham uma sólida amizade. Natália tinha repetido diversas vezes de ano. E estava estudando com Camilla já fazia uns dois anos.

Levi era um filho de um amigo dos Brandão. Tinha 14 anos e gostava das roupas de Camilla, que não combinavam de jeito nenhum. Adorava as dicas de roupa e maquiagem que ela dava.

Sílvia era irmã de Levi. Não gostava muito de Camilla, e detestava as galochas vermelhas da amiga do irmão. Aquilo era um horror, que horror! Sílvia detestava o fato de que Camilla era rica e se vestia muito mal (misturar as galochas vermelhas com jeans esfarrapados) e ela apesar de ser elegante, era pobre. Sentia inveja da amiga do irmão e abominava a sua outra irmã, Anabela.

Já era uma da tarde. Hora de checar e-mails, ler as notícias, entrar no Facebook, fazer o dever de casa, jogar on-line com os amigos. Sempre ao som dos vinis da mãe. Como o quarto tinha isolamento acústico, os avós quase nunca reclamavam do barulho.

Sem avisar, aconteceu algo desagradável para Camilla. A energia do sítio havia caído. Simplesmente detestava quando a energia terminava. Ficar pelo menos uma hora sem mexer na internet para ela era um terror! Desligava não só o computador, mas também o roteador, a televisão, o telefone, o velho toca-discos de Alexandra, tudo. E seu celular estava sem créditos.

De repente, olhou para o céu, já era uma noite cheia de estrelas. Ela não via as estrelas fazia muito tempo, nem pelo computador sentia vontade de ver aqueles pontinhos brilhantes que podiam já ter acabado há milênios.

Para matar o tédio, foi pegar sua velha guitarra com uma lanterna e tentou tocar “Eduardo e Mônica”. Estava meio enferrujada, não tocava nada fazia meses.

— “Quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração”… Porra, eu quebrei uma unha.

Pegou uma velha palheta que estava embaixo da cama e tentou tocar o resto da música. Conseguiu tocar a música completa com alguma dificuldade, depois foi voltar os seus olhos para o céu.

— Ontem eu era uma menina superprotegida que tinha uma certa felicidade, e que perdeu tudo isso quando seus pais sumiram. Preciso de alguém para poder conversar…

Pegou o celular e discou o número de Luciano:

— Alô, Luciano?

— Camilla? — uma voz aveludada atendeu o celular.

— Você pode me dizer se pode conversar comigo agora?

— Claro, vamos. Faz tanto tempo que a gente não conversa…

— Dá para vir para cá?

— Tá.

O sítio dos Brandão (o sobrenome dos pais de Alexandra) ainda estava às escuras. Depois de uma hora e meia, um barulho de moto. Era Luciano. Ainda estava escuro, pois a energia não havia voltado.

Luciano era um rapaz alto, uns dez centímetros mais alto que sua namorada. Estava com uma lanterna em uma mão. Ele não tinha sobrancelhas. Era muito comprido e magro.

— Porque você me chamou? Tá triste? — Luciano perguntou.

— Mais ou menos. Já te contei que meus pais sumiram e ninguém sabe onde eles estão?

— Montes de vezes. Para onde eles foram?

— Eles iriam para Nova York. Papai tinha uns negócios para resolver por lá. Eles deveriam estar em casa dentro de dez dias. Já se passaram dez anos e nada.

— Nem mesmo uma informação de se eles estão bem?

— Nada. Revirei sites de desaparecidos da polícia, sites de desaparecidos da Interpol, cartas que meus avós recebiam. E nada. Nem um pio, que dirá uma informação.

Como estava um dia frio, Camilla pegou um cobertor e se enrolou ao lado de Luciano.

— Faz quanto tempo que a gente não conversa como dois adultos? —perguntou Luciano.

— Oficialmente não sou adulta, tenho só quinze anos. Vou fazer minha maioridade daqui a três anos, esqueceu?

— É, me esqueci… desculpa.

Estava tocando uma melodia meio esquisita: V-2 Schneider. Os avós de Camilla simplesmente detestavam essa música, mas era de um dos discos favoritos da netinha: a trilha sonora do filme “Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída…”, que era de Carlos. A energia tinha voltado, pois o toca-discos estava tocando feliz.

— Como a energia voltou e eu nem senti? — perguntou Camilla.

— A gente estava conversando, nem notamos o tempo passar.

— Desliga esse som, Camilla, estamos tentando assistir televisão! — gritou dona Fátima.

A portinhola do quarto estava aberta. E assim não tinha isolamento acústico que resistisse.

— Você não gosta do que a maioria gosta. Seu quarto quase não tem livros…

— Eu perdi a vontade de ler. Eu ficava morrendo de dor de cabeça quando lia. Nem toco mais nos meus livros de programação. Já estão criando poeira. — e Camilla deu um risinho forçado.

— Desce aí, Camilla! Você e o Luciano estão fazendo o que não presta? — disse seu José.

— Não, vô. Ele nunca me tocou, nem um milímetro. A gente é só amigo.

Já passava da meia-noite. Como Luciano não tinha habilitação teria que ficar no quarto da namorada até o dia amanhecer. Senão levaria multa.

Seis da manhã. Novamente V-2 Schneider. Como se não bastasse ser a música que os avós da menina detestassem, ainda era o despertador de Camilla.

— Não tem nada melhor para ouvir? — disse Luciano.

— Ter até que tem. Só que eu não quero. — disse Camilla.

O celular começou a tocar uma música que Luciano amava: Diamonds.

— Você gosta da Rihanna? Sua carinha é de menininha roqueira — Luciano perguntou, meio espantado.

— Gosto sim da Rihanna. Olha, eu misturo as coisas todas. Eu gosto de tudo. Se tocar um arrasta-pé, eu não dispenso. Se tocar um bate-estaca, eu não dispenso de jeito nenhum. Eu não tenho preconceito com música, não.

Luciano adorava a sinceridade de sua namorada. Era assustadora, mas a verdade doía. Pegou o celular da Camilla. Olhou todas as músicas que tinha:

— Jackson do Pandeiro, Banda Calipso, Dado Villa-Lobos, a já citada Rihanna, Legião aos montes, Engenheiros, Nirvana, Katy Perry, Aerosmith, Luís Gonzaga, Led Zeppelin, Beatles, Capital Inicial, Marcelo Bonfá, Superman Is Dead, The Kinks, Bob Dylan, Seu Jorge, Renato Russo, música de musical da Broadway, NX Zero, Fresno, Inimigos do Rei, John Lennon, Bruno Mars, Amy Winehouse, The Who, David Bowie, Pink Floyd, Rolling Stones, Joy Division…tem coisa que eu nunca vi na minha vida.

— Vivendo e aprendendo… Se quiser a trilha sonora do filme da Christiane F., eu te empresto o CD. Importado do Japão, era do meu pai. E o DVD também, se quiser… Já leu? Lembro que te emprestei o livro uma vez.

— Eu já li, fiquei uns dias sem comer. Repugnou-me aquele lance de injetar algo na veia.

Camilla pegou uma carona com Luciano. Até a estrada, onde iria pegar um ônibus.

— Vovô e vovó podiam me pagar um motorista particular. Mas isso é para aprender o valor das coisas. Legal, aprendi a lição. Quero uma bicicleta. Nem bicicleta eu tenho…

Ela estava com suas botas vermelhas, que eram da mãe. A farda do colégio estava encoberta por uma jaqueta de couro que era do pai. E as calças jeans que ela usava desde os 13 anos estavam lá, inteiras. Dificilmente comprava novas roupas, porque praticamente não crescia.

— Que merda, ter que andar com uma bota no meio do mato. Estragou tudo. — disse Camilla, tentando limpar as botas meladas de lama.

Alguns minutos mais tarde, apareceu Levi. Junto com ele, apareceu Sílvia. Ela olhou para as botas vermelhas meladas de lama de Camilla. Acho-as muito feias. E ainda o cabelo cheio de mechas roxas lhe dava nos nervos. Que menina sem elegância, pensou.

— Uma menina riquinha, que se veste como uma molambenta. Meu Deus, como existe gente sem classe… — disse Sílvia.

— E daí que eu me vista como uma molambenta? Meus avós nunca reclamaram da roupa que eu visto. Não só meus avós, ninguém reclamou — respondeu Camilla, de maneira meio ríspida.

— E cadê os seus pais, menininha bastardinha?

— Eu não sei. Eu não devo satisfações da minha vida para você, Silvinha Couro Mole.

O apelido de Sílvia era Silvinha Couro Mole, porque ela tomava muitos safanões e sempre chegava em casa com montes de hematomas. E não era Camilla que fazia isso.

E o celular de Silvinha tocou um funk, do Bonde das Maravilhas. Camilla riu.

— Uma menina que se diz classuda ouvindo funk. E no fim sou eu que sou da ralé. — riu Camilla. — “Faz quadradinho de oito, Faz quadradinho de oito…”.

— E daí? Eu gosto do que eu quiser. — disse Sílvia.

— Tem pelo menos uma ópera do Wagner? Ou Wagner é só o teu namorado? Gente que se diz classuda tem que ouvir música clássica.

— Ora, sua…

Levi teve que intervir, senão o couro iria comer. Camilla era muito mais forte que Sílvia. Mesmo sendo fisicamente frágil.

— Ei, suas duas brigonas, olha quem vem ali, a Natália!

Natália era filha de uma família decadente, e era adotada. Sua vida estava destinada ao fracasso, mas ela se divertia com sua novela mexicana (como dizia que sua vida era). Ensinava a quem tivesse consigo que “a vida é uma festa, aproveite”.

— Oi, gente. — disse Natália, com sua voz baixa. — O que está pegando? A Camilla está quase sentando a mão na cara da Sílvia?

— Quase. Ainda bem que você chegou, senão a pobre da Sílvia estaria cheia de hematomas. — disse Levi.

Anabela apareceu com sua bengala. A menina era cega, mas detestava que lhe dissessem isso.

— Oi, gente. Perdi alguma coisa?

— A briga do século! Camilla vs Sílvia! — disse Natália.

— Eu queria ter visto isso. — disse Ana.

Todo mundo riu, menos Sílvia.

E Camilla começou a cantar de repente, uma coisa que ela fazia bastante:

— “Tô com saudade do Jackson do Pandeiro. Tô com saudade, que é coisa de brasileiro”…

— Essa menina é louca? — perguntou Sílvia.

— Não sou não. “Tô com saudade do Jackson do Pandeiro. Tô com saudade, que é coisa de brasileiro”… — disse Camilla.

— Essa menina é louca? — perguntou Sílvia.

— Não.

E Camilla de novo ficou cantando:

— “The return of the Thin White Duke, throwing darts in lovers’ eyes”…

— Não aguento mais. Vou ligar para o Wagner para vir me buscar, essa menina é louca. — e saiu. Minutos depois, apareceu Wagner, um cara quase transparente e cheio de espinhas.

E Camilla:

— “Here are we one magical movement From Kether to Malkuth. There are you, you drive like a demon From station to station!”

— Camilla, isso é contagioso? — disse Levi.

— Não é. Eu gosto demais de cantar. Você não tem ideia. Canto até quando estou hackeando. — e riu.

O ônibus chegou. No ônibus, o pessoal cantou Faroeste Caboclo.

— “Não tinha medo o tal João de Santo Cristo, era o que todos diziam quando ele se perdeu. Deixou prá trás todo o marasmo da fazenda, só prá sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu”…

Depois da farra no ônibus, Camilla fingiu estar absorta em um livro sobre a Teologia da Libertação. Ela só tinha aquele exemplar (que nem dela era, era do professor de Filosofia) para mostrar ao avô, que adorava Filosofia.

O celular tocou. Um texto pequeno, SMS:

“Camilla, seu passado esta na sua frente”.

Não tinha remetente. Quem era?”

Uma longa noite de dez anos

Esse é meu primeiro texto mais autoral. O nome é:Cadê a Luz do Fim do Túnel?. É de uma menina de 15 anos chamada Camilla, que não vê os pais faz dez anos, é criada pelos avós, e tem um talento medonho: invadir os computadores dos outros. Ela usa esse “talento” para descobrir o paradeiro dos pais e da irmã, Rosalyn. Tem um namorado crossdresser, Luciano. A história ainda está no começo, comecei a escrever nessa semana. Mas tem uma parte que eu ainda estou escrevendo, que é quando Camilla corre na chuva atrás do Luciano quando ele estava vestido de mulher. Mais para frente vou dizer o que vai acontecer.

 

“Alexandra e Carlos estavam saindo de casa e se dirigindo ao carro. A filha de cinco anos deles, Camilla queria acompanha-los, mas não podia. Viagem de negócios dos pais não era permitido que a filha os acompanhasse.

— Que pena, Camilla, não poderemos leva-la. Semana que vem vamos para a Angra dos Reis — disse Alexandra.

A menina abriu um sorriso. Sabia que os pais voltariam.

Os pais colocaram a menina dentro do carro e a levariam para a casa dos pais de Alexandra. Seu José e dona Fátima cuidariam da menina durante dez dias.

Alexandra era uma mulher ainda jovem, pois havia casado e tido filha com apenas 20 anos. Ainda mantinha o rosto quase infantil e seus longos cabelos negros estavam sempre impecáveis. Carlos era um homem ainda bem jovem, herdeiro de um conglomerado imobiliário. Era forte, mas não musculoso e seus cabelos loiros estavam sempre desarrumados. Gostava do que fazia.

Passaram duas horas viajando no carro, para a casa dos avós da Camilla. Depois, aeroporto. A menina começou a chorar. Sem querer sabia o que lhe esperava.

— Tchau, Camilla. A gente já volta — e Carlos deu um beijo no rosto de sua filhinha. A menina não queria sair do carro.

Eles disseram que iriam voltar dentro de dez dias. Passaram-se dez anos e eles ainda não haviam voltado…”